Vamos falar sobre a VB-MAPP?

Fui convidada a dar uma palestra sobre a Avaliação de Marcadores do Comportamento Verbal e Programa de Nivelamento[1] (VB-MAPP), desenvolvida por Sundberg, M. L. (2008) para celebrar o próximo dia mundial do autismo. Foi uma ótima oportunidade para revê-la e apresentá-la a vocês!

Apesar da VB-MAPP não ser uma avaliação rápida, prática e de fácil aplicação, como o ABLA-R de DeWiele, Martin, Martin, Yu e Thomson (2011), descrito no meu artigo de estréia neste blog, considero-a uma avaliação importante.

Primeiro, por enfocar os principais marcadores do desenvolvimento infantil, que devem ser desenvolvidos a partir dos primeiros meses de vida até os 4 anos de idade. Justamente por isso, trata-se de uma avaliação compreensiva, por abarcar diversas áreas do desenvolvimento (não apenas verbal!), mas todas àquelas fundamentais para o pleno desenvolvimento social, motor, linguagem, brincar e habilidades acadêmicas das crianças nos primeiros anos de vida. Apesar da VB-MAPP envolver os marcadores até os 4 anos de idade, ela não precisa ser aplicada em crianças que tenham até 4 anos. Trata-se de envolver comportamentos compatíveis até os 4 anos de idade, mas pode ser aplicada em indivíduos de diferentes faixas etárias que tenham um atraso global do desenvolvimento.

Segundo, por traduzir os termos e eventos amplamente utilizados e descritos na literatura desenvolvimentista e cognitivista (reciprocidade sócio-emocional, atenção compartilhada, por exemplo), por termos comportamentais.

Terceiro, por ser uma avaliação baseada nos princípios da Análise do Comportamento Aplicada (ABA), ciência dedicada a compreender e melhorar o comportamento humano, e na obra Verbal Behavior de Skinner (1957). Em temos práticos, isso significa que se trata de uma avaliação que: identifica comportamentos-alvo de acordo com a função que os mesmos exercem no ambiente; identifica o nível operante dos aprendizes antes e durante a intervenção comportamental, a fim de mensurar ganhos a médio e longo prazos e, por fim, é capaz de guiar um currículo de ensino individualizado.

Vou, então, de maneira breve, apresentá-la a vocês e, quem sabe, deixar um gostinho de “quero mais!!!”. A avaliação é composta por cinco etapas:

1) Avaliação de Marcadores:

Nessa etapa, o autor elencou os principais marcos do desenvolvimento infantil, observados em crianças neurotípicas dos zero aos 48 meses, e hierarquizou-os em três níveis.

No nível 1, foram elencadas as habilidades que tipicamente são observadas entre zero e 18 meses; no nível 2 foram elencadas as habilidades observadas entre os18 e 30 meses; e, no nível 3, as habilidades observadas entre 30 e 48 meses.

Esses marcos do desenvolvimentos foram descritos de acordo com o proposta da análise da contingência de três termos (em alguns casos, quatro): estímulo discriminativo, resposta e consequência. Assim sendo, o leitor, com uma boa base analítico comportamental, consegue facilmente avaliar a ocorrência das respostas/marcadores diante certas condições (apresentação dos estímulos discriminativos e estímulos consequentes).

Por exemplo, para avaliar um marcador de mando específico, tipicamente observado entre os zero e 18 meses de vida, o autor sugere:

Teste se o aprendiz emite 4 mandos diferentes sem dicas (exceto “O que você quer?). Os itens podem estar no campo visual do aprendiz.

Sabemos, a partir da obra Verbal Behavior (1957), que o mando foi definido como um operante verbal que tem como estímulo discriminativo um estado de privação ou estado de condição aversiva; a resposta é verbal, que pode ser vocalizada (falada), gesticulada (linguagem de sinais) e/ou a seleção e entrega de uma figura ou imagem (PECS, por exemplo) e, como consequência, a aquisição de um item (entregue por um ouvinte), relacionado ao estado de privação ou condição aversiva.

A tarefa, incluindo as instruções do autor, pode ser esquematizada da seguinte forma:

 

2) Avaliação de Barreiras:

Nesta etapa, deve-se identificar comportamentos em excesso, bem como a ausência de comportamentos pré-requisitos, que impedem ou dificultam o desenvolvimento comportamental do aprendiz. A identificação desses comportamentos é feita, basicamente, a partir dos dados provindos da observação direta, entrevista com pais e a partir dos dados provindos da avaliação de marcadores.

São avaliados, por exemplo, comportamentos negativos, cooperação em situações de demanda, motivações fracas ou atípicas.

3) Avaliação de Transição:

Essa etapa compila-se os resultados da etapas 1 e 2 da VB-MAPP, resumindo informações acerca das habilidades verbais, sociais, autonomia acadêmica e existência de barreiras para do aprendizado e da comunicação. Além disso, nessa etapa, coleta-se dados acerca dos padrões específicos de aprendizagem do aprendiz, como, por exemplo, rapidez na qual se aprende novas habilidades dentro e fora do ambiente estruturado/terapia ABA, quais eventos comumente funcionam como reforçadores, tempo de retenção de novas habilidades etc. Por fim, nessa etapa, avalia-se, ainda, habilidades de autocuidado (uso do banheiro e alimentação), adaptabilidade a mudanças e espontaneidade ao brincar. Os dados coletados nessa etapa, auxiliam o professional a decidir qual o melhor ambiente (ou ambientes) de aprendizagem para seu aprendiz: ambiente estruturado individualizado, ambiente natural, inclusão escolar, ensino escolar individualizado.

4) Análise de Tarefas e Rastreamento de Habilidades:

Considerei essa etapa uma das mais importantes para delineamento de um currículo comportamental individualizado. Ela é composta de 900 subitens que decompõe, em habilidades mais básicas, cada um dos marcadores avaliados na Etapa 1 (com exceção do ecóico e do comportamento vocal espontâneo). Uma vez identificado o nível que o aprendiz se encontra na Etapa 1, o profissional pode aplicar os subitens da Etapa 4 relacionado aos marcadores ainda não desenvolvidos no nível que o aprendiz se encontra. Por exemplo: Se o aprendiz falhar em emitir 10 topografias distintas de mandos, com ou sem a pergunta “o que você quer?” e com ou sem o item solicitado em seu campo visual, o profissional pode avaliar os seguintes precursores dessa habilidade, por exemplo:

 

5) Adequação e Objetivos do Programa de Educação Individualizada:

Nessa etapa, o autor auxilia a analisar os resultados obtidos na VB-MAPP e delinear o programa de ensino individualizado. O autor coloca que se deve, em um primeiro momento, identificar o nível geral da criança – Nível 1, 2 ou 3. Isso vai definir a proposta de intervenção mais pertinente para aquele aprendiz (contexto individualizado, contexto coletivo; tentativa discreta x ensino incidental, por exemplo). Em um segundo momento, o profissional deverá analisar as pontuações específicas e correlacioná-las com o desempenho da criança em cada área individualmente, identificando pontos fortes (e talvez compensatórios) e pontos fracos. Todos deverão ser trabalhados de modo a desenvolver um equilíbrio no desenvolvimento do aprendiz.

Para concluir, a VB-MAPP é uma avaliação completa, abrangente, destinada a aprendizes com desenvolvimento de habilidades compatíveis com o desenvolvimento de uma criança típica com 4 anos de idade. A avaliação permite que o clínico avalie comportamentos que são marcos do desenvolvimento infantil e desenvolva um plano de ação individualizado para cada aprendiz.

 

Referências Bibliográficas

DeWiele, L., Martin, G. L., Martin, T. L., Yu, C. T. & Thomson, K. (2011). The Kerr-Meyerson Assessment of Basic Learning Abilities Revised: A self-instructional manual (2nd Edition). St. Amant Research Centre: Winnipeg, MB, Canada. http://stamant.ca/research/abla/

Skinner, B. F. ([1957] 1992). Verbal behavior. Acton, Massachusetts: Copley Publishing Group.

Sundberg, M. L. (2008). VB-MAPP – Verbal Behavior Milestones Assessment And Placement Program – Guide. Editado por AVB Press.

 

[1] The Verbal Behavior Milestones Assessment and Placement Program

5 5 votes
Article Rating

Escrito por Cintia Guilhardi

O impacto do engajamento do terapeuta na manutenção da terapia

E quando me sentir numa encruzilhada, o que fazer?