A Terapia Comportamental Dialética (DBT) é, possivelmente, uma das terapias mais complexas de ser aplicada. Isso porque ela é estruturada em protocolos, passos, metas, alvos, estratégias, mas, antes disso, ela é uma intervenção que segue uma “dança de princípios”. Dança porque, em uma mesma consulta, o terapeuta deve, com sua sabedoria, “flutuar” por entre os princípios de dialética, aceitação e mudança. Só depois de definir sobre qual princípio atuará que os aspectos estruturais da DBT de cada princípio deve ser utilizado. O problema é que, como uma dança, a consulta está sempre em movimento, podendo ocorrer em 5min de consulta a necessidade de perpassar pelos três princípios e utilizar diversas estratégias vinculadas a eles.
Um terapeuta habilidoso consegue estar tão atento no momento presente, tão conectado ao cliente que observa qual dos três princípios seria mais adequado no momento para favorecer a mudança e está disposto a mudar a qualquer momento de princípio e estratégias, desde que focando na funcionalidade do comportamento. Em se tratando de estratégias, Linehan (2010) se refere a elas como sendo intervenções terapêuticas utilizadas para se alcançar os objetivos da terapia. Mas ela ressalta que é mais importante o terapeuta estar conectado à intenção do uso da estratégia do que ao procedimento estruturado dela.
Dentre as diversas habilidades em DBT que precisamos ter, uma sempre me chamou a atenção: a de sair de encruzilhadas que ocorrem quando terapeuta e cliente estão defendendo opostos na tentativa de convencer o outro de que seu ponto de vista é o que vale. Exemplo: quando o(a) cliente diz que quer se matar, que isso é o melhor para a situação dele(a) e que não há mais esperança em nada. É bem provável que o terapeuta tenha um ponto de vista diferente do(a) cliente. Porém, se o terapeuta defender esse ponto de vista, é possível que as coisas só piorem, gerando uma distância muito grande entre as partes envolvidas, o que pode levar a uma série de comportamentos lesivos a vida do cliente, a terapia ou a outros aspectos importantes na qualidade de vida de ambos. O que fazer nesse momento? Possivelmente seja o momento de o terapeuta assumir o princípio dialético e, a partir disso, utilizar as estratégias dialéticas.
Em alguns textos (aqui, aqui, e aqui) já publicados aqui no Comporte-se, algumas dessas estratégias já foram apresentadas. Elas estão à serviço daquilo que preconiza a filosofia dialética: a realidade como um processo holístico em um estado constante de desenvolvimento e mudança. Para Linehan (2010), essas estratégias “enfatizam as tensões criativas geradas por emoções contraditórias e padrões de pensamento, valores e estratégias comportamentais opostos, tento dentro da pessoa quando no sistema pessoa-ambiente”. É, a partir dessa tensão, aproximar-se de uma síntese, de um caminho do meio.
Dentre as ainda não apresentadas nos artigos daqui, há uma que gosto muito de usar devido a sua simplicidade e seu efeito, desde que utilizada no contexto adequado: é a chamada “Expandir”. A ideia é de o terapeuta levar o que o(a) cliente diz mais a sério do que o(a) próprio cliente leva. É seguir a comunicação literal do(a) cliente. Como assim? Explico. Há momentos em que o(a) cliente pode utilizar palavras fortes, ameaçadoras para desencadear mudanças no ambiente ou na relação, ocasionando a sensação de encruzilhada que disse acima. A chave dessa estratégia é seguir o fluxo do que foi dito e não tentar mudar ou contrariar o que foi dito. Aí a razão do nome: expandir é pegar o que foi dito e estender, aumentar um pouco mais o que seria o efeito do que foi dito.
Um exemplo prático pode ser o seguinte: imaginem que um(a) cliente não queira mais participar do grupo de habilidades, mesmo sabendo que é uma intervenção indispensável da terapia. Imaginem que, no decorrer de uma consulta, ele(a) diz: “Se você não me deixar sair do grupo de habilidades, eu vou me matar”. Surpresa!!!… estamos em uma encruzilhada: ele(a) quer sair do grupo de habilidades e você sabe que não é nem um pouco terapêutico que ele(a) saia. Ele(a) ficando firme na posição dele e você na sua, só pioram as coisas. Como sair disso? Ao invés de focar no problema (“sair do grupo de habilidades”), foque na consequência (“vou me matar”) e expande isso: “sério que você vai se matar? devemos fazer algo quanto a isso. Você deve estar muito mal, em uma crise a ponte de pensar nisso. Talvez devêssemos pensar em uma internação. Talvez isso seja necessário! Como falaremos sobre ficar ou não no grupo de habilidades se sua vida está em risco? Você já planejou como se matar?”. Quando o(a) cliente nota que está exagerando, que não vai se matar por isso, é de extrema importância que o(a) terapeuta volte a atenção, agora, ao problema (“sair do grupo de habilidades”). A ideia aqui é buscar reforçar a diminuição da consequência emocional do problema. Essa postura terapêutica, quando bem aplicada, aproxima terapeuta e cliente e, juntos, podem continuar trabalhando em prol da mudança da vida.
Há outras estratégias dialéticas que, certamente, vocês lerão nas próximas colunas. Vocês verão o quão difícil é, na hora em que ocorre a encruzilhada, pensar no que fazer. O que sugiro é que você possa treinar essas estratégias em suas reuniões de equipe para, quando houver a tensão no decorrer da consulta, não pensar muito em que estratégia utilizar e manter o foco na consulta mesmo. Dito isso, concluo minha coluna destacando a principal dialética que Linehan apresenta ao trabalhar com pessoas que sofrem intensamente: mudar no contexto da aceitação da realidade como ela é. Tenham sempre em mente isso, no decorrer de todo o atendimento com sues clientes. Assim vocês verão que esse negócio chamado DBT funciona, mesmo…
Referência:
Linehan, M (2010). Terapia cognitivo-comportamental para transtorno da personalidade borderline: guia do terapeuta. Porto Alegre: Artmed.