A ANÁLISE FUNCIONAL E AS CONTINGÊNCIAS DE REFORÇAMENTO

Todos os profissionais atuam baseados em conceitos e usam instrumentos no seu dia-a-dia de trabalho, e não seria diferente com o psicólogo! Os médicos têm como objetivo a cura das doenças, e utilizam medicamentos para realizá-la. Os arquitetos procuram construir casas e edifícios, e assim manejam réguas e compassos para tornar as construções possíveis. E os psicólogos analistas do comportamento, e especialmente quem trabalha com Terapia por Contingências de Reforçamento, têm como conceito para explicar comportamento, a análise funcional, e como instrumento para realizá-la, as contingências de reforçamento.

Primeiro vamos falar um pouquinho sobre a Terapia por Contingências de Reforçamento, mais conhecida pela sigla TCR. A TCR é uma forma de fazer terapia comprometida com o Behaviorismo Radical e com a ciência da Análise do Comportamento. Sendo assim, o objeto de estudo da TCR é o comportamento humano, e para fazer modificações no comportamento, Guilhardi (2004) defende que deve-se alterar as contingências de reforçamento, das quais o comportamento é produto (por isso a sigla TCR, já que manejamos as contingências de reforçamento para produzir mudanças nos comportamentos).

Guilhardi (2004, p.07) afirma que a TCR abrange: “um conjunto de interações comportamentais que ocorrem em diferentes contextos, nos quais uma pessoa com a função de agente de mudança comportamental (terapeuta) influencia os comportamentos de outra pessoa (cliente), que solicitou, da primeira, ajuda para alterar comportamentos e sentimentos que lhe são aversivos e cuja mudança está incapacitada de fazer por si mesma”.

A TCR se diferencia de outras terapias comportamentais pelos procedimentos que usa e pelo compromisso conceitual e experimental. Assim, os psicólogos da TCR usam as contingências de reforçamento como instrumento para fazer a análise funcional delineando a avaliação e a intervenção em comportamentos que estão trazendo sofrimentos para os clientes.

A tarefa de definir a análise funcional não é tão simples. Sturmey (1996), por exemplo, localizou sete diferentes definições para o termo! Sob a perspectiva da Análise do Comportamento, podemos considerar a definição elaborada pela professora Maria Amélia Matos em 1999. Essa professora afirmou que fazer análise funcional é “identificar a função, isto é, o valor de sobrevivência de um determinado comportamento” (Matos, 1999, p. 11). Vejamos também a proposta de Sidman (1989/2011, p. 104) para o conceito de análise funcional: “Essa é a essência da análise de contingências: identificar o comportamento e as consequências; alterar as consequências; ver se o comportamento muda. Análise de contingências é um procedimento ativo, não uma especulação intelectual. É um tipo de experimentação que acontece não apenas no laboratório, mas, também, no mundo cotidiano”.

Então, fazer uma análise funcional é estabelecer relações entre a ocasião em que a resposta ocorre (antecedentes), a resposta e as consequências que essa resposta produz. E são essas relações de interdependência entre os antecedentes, a resposta e as consequências que chamamos de tríplice contingência a qual esquematizamos da seguinte forma:


A análise funcional é concretizada a partir do manejo das contingências de reforçamento que estão produzindo, mantendo ou enfraquecendo o comportamento. O terapeuta por contingências de reforçamento evidencia a análise funcional e, como tal, demonstra porque o cliente apresenta determinado comportamento e planeja quais contingências deverão ser alteradas para que o cliente tenha mais qualidade de vida!

Então vamos ver como o terapeuta por contingências de reforçamento trabalha de forma a construir a análise funcional por meio das contingências de reforçamento? Vamos pensar em uma mãe hipotética que relata o seguinte para o terapeuta: “Não consigo lidar com o meu filho! Toda vez que ele está comigo, ele grita para eu ligar a TV para ele. Mas com o pai, ele não faz isso, só comigo! Quando o pai dele chega, meu filho liga a TV sozinho, sem ajuda!”. Esse é a queixa da mãe, e é tarefa do terapeuta da TCR transformar esse relato na tríplice contingência!

O primeiro passo, de acordo com Matos (1999), seria identificar a resposta de interesse, ou, pensando na análise funcional, a coluna do meio. O terapeuta por contingências de reforçamento faz isso apresentando algumas perguntas ao cliente ou observando o comportamento do cliente quando isso é possível. Por exemplo, no caso da mãe hipoteticamente apresentada: Quando você está presente, como o seu filho age? O que o seu filho fala para você nesses momentos? Como seu filho pede para assistir a TV? Quando o pai está presente, como o seu filho age? Entre outras perguntas que vão ajudar o terapeuta a preencher a coluna da resposta na análise funcional.

Em seguida, o terapeuta observa ou faz perguntas sobre as condições antecedentes, ou seja, aquelas que estão presentes no ambiente quando o comportamento ocorre e servem de ocasião para a resposta do cliente. Nesse caso, o terapeuta poderia fazer perguntas como: Quem está presente quando o seu filho começa a gritar? O que você está fazendo quando o seu filho grita? Essas e outras perguntas vão preencher a primeira coluna da tríplice contingência.

Por fim, o terapeuta procura descobrir as consequências produzidas pelas respostas do cliente, consequências essas que estão mantendo ou enfraquecendo o comportamento do cliente. Nesse ponto, poderiam ser feitas as seguintes perguntas para a mãe hipotética: Como você reage quando o seu filho grita? Como o pai reage quando seu filho liga a TV?

Por meio dessas perguntas ou observações, o terapeuta por contingências de reforçamento “monta” a tríplice contingência. E a partir dessa análise é que serão propostas algumas alterações nas contingências em operação na vida do cliente. Voltando uma última vez à mãe fictícia, provavelmente vamos ter como resultado da tríplice contingência as seguintes situações: Na presença da mãe, o filho grita pedindo que ela ligue a TV e produz como consequência a TV ligada pela mãe (a mãe prontamente larga o que estiver fazendo e diz “não precisa gritar comigo”, enquanto liga a TV). Na presença do pai, o filho pega o controle remoto, liga a TV e acomoda-se no sofá ao lado do pai, produzindo como consequência a atenção e o afeto do pai (o pai diz “você é muito sabido, querido!”). Sendo assim, fica claro, por meio da análise das contingências de reforçamento, que cada um dos genitores selecionou um padrão diferente de comportamento no filho. Não se trata de dupla personalidade, nem de que o filho ama mais o pai do que a mãe. Simplesmente a mãe é estímulo discriminativo para exigir com gritos e ser atendido, e o pai é estímulo discriminativo para o filho ligar a TV com independência e ser elogiado. De posse dessas análises, o terapeuta por contingências de reforçamento vai orientar essa mãe a não mais atender o filho quando ele grita, esperar que ele próprio ligue a TV e só então reforçar tais respostas. Com isso, o filho passará a se comportar na presença da mãe, da mesma forma que o faz na presença do pai.

Concluindo, a análise funcional é uma forma de entender porque os comportamentos ocorrem. E o instrumento com qual se faz a análise funcional e com qual se intervém nos comportamentos, visando alterá-los, são as contingências de reforçamento!

REFERÊNCIAS:
Guilhardi, H. J. (2004). Terapia por contingências de reforçamento. Em: Terapia Comportamental e Cognitivo-Comportamental: práticas clínicas. Cristiano Nabuco de Abreu e Hélio José Guilhardi (Orgs.). São Paulo: Roca.
Matos, M. A. (1999). Análise funcional do comportamento. Estudos de Psicologia, 16 (3), 8-18.
Sidman, M. (1989/2011). Coerção e suas implicações. Editora Livro Pleno.
Sturmey, P. S. (1996). Functional Analysis in Clinical Psychology. England, John Willey & Sons.

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Escrito por Camila Comodo

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