Porque é tão difícil cumprir as promessas de Ano Novo…

 

promessas-de-ano-novo_fotoFim de ano chegando… Época propícia para avaliar a vida ao longo dos últimos meses. Na clínica, noto que a maior parte daqueles que se propõe a fazer essa reflexão, tendem a ficar nos extremos. De um lado estão os felizes na realização dos planos e do outro, provavelmente a maior parte, estão os que não alcançaram seus objetivos… Aqueles tradicionais objetivos: emagrecer, fazer atividades físicas, ler mais, investir mais em alguma coisa… Além da frustração de não chegar lá, observando a moda de compartilhar sucessos e conquistas nas redes sociais, as pessoas do segundo grupo se sentem ainda mais deprimidas e fracassadas.

Dentro desse cenário de promessas e reflexões existem muitas variáveis, sem a intenção de esgotá-las, algumas delas: como citado, um esforço por parte de alguns em criar uma imagem de vida de sucesso; para outros, uma falta de senso de realidade, muitas pessoas passam a acreditar na vida perfeita propagandeada, sem considerar que isso possa ser uma fantasia; também é preciso considerar a falta de autoconhecimento daqueles que prometem coisas com baixíssimas chances de serem cumpridas;  ou ainda uma simples dificuldade de aceitar que nem sempre cumprimos todas as promessas mesmo  – e tudo bem, faz parte…

Esperamos que os outros cumpram as promessas que nos fazem, e é comum nos decepcionarmos quando isso não acontece, mas nem sempre cumprimos as promessas para nós mesmos, não é? E, já que é mais fácil modificar meu comportamento do que o comportamento do outro, por que, então, não começar cumprindo nossas próprias promessas? Claro que longe dos excessos das excepcionais conquistas, conseguir alcançar um objetivo traz um bom tanto de realização, prazer e bem estar.

Por que é difícil cumprir as promessas? Existem muitos caminhos para começar essa análise, que passam por baixo autoconhecimento, baixa auto observação e falha no autocontrole. Focarei, neste texto, no autocontrole [1].

Se sabemos que é possível controlar comportamentos alterando as contingências de reforçamento, ou seja, manipulando as variáveis das quais um comportamento é função, é preciso conhecer bem as variáveis que controlam nosso comportamento e ser capaz de manipulá-las de forma eficiente – de modo a aumentar, ou reduzir a probabilidade de emissão de um comportamento. Ou seja, a pessoa deve manejar as contingências de reforçamento em operação em sua vida. Como fazer isso? Podemos pensar em algumas questões a serem consideradas:

– É difícil ter qualidade com pouca quantidade. Para se alcançar um objetivo maior, ou seja, para termos resultados mais vigorosos, é preciso também um conjunto de ações vigorosas ao longo do tempo. Quando pensamos na maior parte dos repertórios desejados a serem aprendidos, ou instalados – fazer um curso, frequentar a academia, economizar etc. sabemos que quanto maior a frequência e intensidade de uma dada resposta, maiores tendem ser os resultados obtidos. Ou seja, para alcançar uma meta, é preciso saber que o caminho não é simples, nem curto. Isso exigirá uma nova rotina. Não dá para ser um bom conhecedor de algo estudando pouco, não dá para ter hábitos de atividades físicas se exercitando uma vez na semana, não dá para guardar dinheiro para um apartamento gastando demais nas liquidações e não dá para fazer dieta sem investir tempo… Mas uma meta grande pode ser decomposta em ações menores e esse é um bom caminho.

– Definir onde quero chegar. Transformar uma promessa de ano novo em algo mais concreto facilita o processo. Para isso, preciso saber onde estou hoje, por exemplo, quantos livros leio por ano, quanto peso… Para estabelecer onde quero chegar, como: ler cinco livros, ou perder sete quilos, de modo realista.

– Por que decompor um objetivo grande em objetivos menores. Porque fica mais fácil de se manter num processo de construção a longo prazo se planejamos acesso a alguns reforçadores menores ao longo do caminho.

– Como decompor algo grande em objetivos menores. A análise funcional é uma importante ferramenta para clarear objetivos menores. Peguemos como exemplo, a promessa “perder peso”. A perda de peso é uma consequência, obtida a longo prazo, de um conjunto de ações, que podemos chamar, simplificando, de “fazer dieta” e/ou “praticar atividades físicas”.

 

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Quando olhamos para a tabela acima, novos objetivos menores, se formam:

  1. Ter uma dieta descrita. Este é um mini objetivo. Onde/com quem conseguirei uma dieta? Marco horário com um profissional? Como ter o contato de um profissional? Onde, ou com quem procurar? Para este objetivo, devo começar buscando indicações com amigos, ou no plano de saúde, ou comprar uma revista especializada? Cada pessoa escolhe o caminho que estiver dentro de suas possibilidades. Decompor um objetivo permite uma individualização do processo, com acertos e adaptações dentro da realidade de cada pessoa, o que aumenta a probabilidade de engajamento.
  2. Organização da rotina. Aqui está outro mini objetivo – é mini, mas não é simples! É fundamental reservar um tempo da semana para dedicar-se ao novo projeto, se isso não for feito, não vai funcionar, afinal é pré requisito para uma mudança efetiva. Este é um plano a longo prazo, é preciso ser realista – não é sustentável acordar muito mais cedo para preparar a comida se você gosta de dormir, neste caso, terá que preparar na véspera. Também é preciso estar disposto a sacrificar alguma coisa, como aquela horinha no Facebook… Aquele tempinho relaxando no sofá… Alcançar esse mini objetivo, por si só, já é uma conquista. Mas… Se pensarmos na perda de peso ainda estamos no meio do caminho.
  3. Ter os alimentos necessários. Outro mini objetivo. Para este, já preciso ter alcançado alguns mini objetivos anteriores, como ter a dieta e reservar tempo. Para, então, planejar: onde/ quando/ como comprarei os alimentos? Quando prepararei os alimentos?

E assim, seguem-se as demais etapas para alcançar um projeto maior. Note que, quando uma pessoa alcança os primeiros “mini objetivos”, ela ainda não produziu nenhuma mudança no peso, mas já pode sentir que está executando, pelo menos os primeiros passos para alcançar seu objetivo final. Talvez, os mini objetivos citados sejam os primeiros elos de um encadeamento comportamental, que deve ser seguido a longo prazo para ser eficiente. Só pela constatação de estar na direção certa já se tem alguma satisfação e é sobre esse sentimento que me refiro quando menciono os “reforçadores menores”, que ficam disponíveis ao longo do caminho. Deixar esses objetivos menores de forma visual, escritos, sinalizados, ajuda bastante.

Uma forma complementar de alcançar a promessa de “perder peso” é fazer atividade física, ou frequentar uma academia. Aqui, assim como no caso da dieta, é preciso ter clareza que se trata de um processo, e assim estabelecer os mini objetivos: definir o local, o horário, ter a roupa adequada, preparar a roupa na véspera e principalmente, estabelecer um novo hábito. Mesmo que no primeiro mês você vá somente para 30 minutos de caminhada leve na esteira, já é válido, porque no começo o foco é instalar um novo hábito e não correr 5 km, ou menos ainda, entrar naquela roupa que não serve mais.

Cumprir uma “simples” promessa é bem mais complexo do que parece, não ocorre de forma mágica, muito pelo contrário. E ter uma nova rotina concorre com aqueles velhos hábitos fortemente incorporados ao dia a dia, que sabemos que não levam à perda de peso, ou a qualquer outro resultado diferente. Mas é possível, viável, e principalmente reforçador alcançar uma promessa, uma meta, ou um objetivo. Mesmo que seja, para depois, nos desafiarmos para outros objetivos. Mesmo que seja, para nos certificarmos que aquilo era realmente importante. Ou nem era tanto assim… Enfim, nos ajuda a nos conhecermos melhor e, sobretudo, entender o que nos faz sentido na vida.

 

[1] Uma excelente dica de leitura para ampliar o entendimento sobre autocontrole: Grandi, P. (2015) Autocontrole: a Análise do Comportamento pode ajudar? Terapias C. Brasileiras – Comporte-se 04/03/2015.

 

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Escrito por Thais Barros Rocha

Psicoterapeuta de Adultos e Crianças desde 2005.
Supervisora Clínica e Professora do Curso de Especialização em TCR. Professora do Curso de Aprimoramento em TCR com crianças. Graduada pela UFSCar, São Carlos - SP. Especialista em Psicologia Clínica pelo ITCR- Campinas -SP. Com Formação em Intervenção em ABA, pelo ITCR e Grupo Gradual.

Breve Comparação entre a Teoria Biossocial e o Modelo de Seleção por Consequências

Conheça o periódico: Experimental Analysis of Human Behavior (EAHB)