Gosto de um capítulo recente da história das psicoterapias baseadas em evidência. Em 2006 um artigo publicado em uma renomada revista da Associação Americana de Psicologia (APA) comparou o desfecho de três modalidades de tratamento para depressão maior (Dimidjian et al., 2006). Foram elas a terapia cognitiva, a terapia comportamental e a medicação. Na ocasião, o objetivo dos autores idealizadores era reapresentar a terapia comportamental como um tratamento eficaz para a depressão, especialmente quando comparada as outras modalidades já renomadas.
Esse estudo foi um esforço multicêntrico, envolvendo pesquisadores de várias universidades pela dimensão da amostra adotada. Foram empregados 241 pacientes com diagnóstico de depressão maior, com diferentes gradações do transtorno (e.g., depressão leve, moderada ou severa). Ainda, foi utilizado um delineamento randomizado e controlado por placebo, um dos métodos mais modernos de pesquisa de resultados comparando psicoterapias versus medicação. O emprego do placebo ocorreu porque muitos estudos anteriores comparativos entre psicoterapias versus medicação não traziam esse cuidado metodológico, o que de certa forma sempre abriu discussão sobre a validade dos dados farmacológicos obtidos. A medicação adotada foi a paroxetina como monoterapia, um antidepressivo inibidor seletivo de recaptura de serotonina (ISRS), largamente utilizado pela sua grande tolerabilidade ente os pacientes.
Nos grupos de psicoterapia o que chamou atenção foi o time de terapeutas e supervisores empregados! No time da terapia cognitiva, participaram profissionais que tiveram treinamento direto no Beck Institute for Cognitive Behavior Therapy do renomado terapeuta Aaron Beck e sua filha, Judith Beck. Nomes como Steve Hollon e Keith Dobson figuravam no dream time desses terapeutas. No grupo dos terapeutas comportamentais, participaram os alunos pós-graduados do Neil Jacobson, ícone da terceira geração de terapias comportamentais, criador da Ativação Comportamental (modalidade de terapia comportamental empregada no referido estudo) e da Terapia Comportamental Integrativa de Casais.
Como resultados desse estudo, no tratamento verificou-se que entre os pacientes com depressão severa, a terapia comportamental teve resultado comparável à paroxetina, e ambas foram superiores a terapia cognitiva.
Vale lembrar que, anteriormente a esse estudo, já se sabia que a terapia cognitiva havia apresentado resultados favoráveis somente no tratamento da depressão leve e moderada. A medicação seguia sendo o único tratamento eficaz para depressão severa, com resultados replicados em vários delineamentos de pesquisa. Com o estudo, mostrou-se que a terapia comportamental passou a ser um tratamento alternativo eficaz no tratamento agudo da depressão severa.
O que chama a atenção em todos esses dados? Aparentemente nós psicólogos comportamentais e cognitivos atentaríamos somente para a comparação entre as psicoterapias. Os terapeutas comportamentais, em especial, teriam orgulho de desempenho superior sobre a terapia cognitiva. Porém, poucos atentariam para o fato da medicação ter tido o mesmo resultado da terapia comportamental.
Escolhi esse estudo pois, dada sua envergadura, ele demostra de forma pouco questionável a importância da medicação. Mas por que nós psicólogos brasileiros somos tão contra a medicação, e indiretamente, ao trabalho conjugado entre medicação e psicoterapia?
Hoje na psicologia o que esse observa muitas vezes são profissionais das mais diferentes linhas teóricas desmerecendo a medicação psicotrópica, e até mesmo não incentivando o trabalho conjugado com médicos.
Em parte, esse problema decorre do fato de que muitos cursos de graduação de psicologia contêm apenas
um semestre de psicofarmacologia, que é organizada sempre de maneira introdutória e sem qualquer aprofundamento. Obviamente que o conteúdo ministrado é insuficiente, e dado o tempo exíguo, segue sendo inadequado para a formação profissional. E mesmo assim nos autorizamos a tecer as máximas sobre uma suposta ineficácia assumida dos remédios. Ouvimos máximas como “remédios viciam”, “remédios não resolvem o problema” ou “remédios causam excessivos efeitos colaterais”. Sim, pode até ser. Mas uma pergunta mais técnica seria, em que medidas tais e quais remédios, aplicados a que problema, e sob quais circunstâncias, poderiam trazer prejuízos? E é claro, quais seriam os benefícios de uma medicação certa prescrita para determinado caso? Não, nós psicólogos brasileiros não temos formação para responder a essas perguntas, e por não ter, replicamos “achismos” do senso comum. Nossa formação é totalmente focada nos sistemas psicológicos e nas psicoterapias.
A título de comparação tomemos um currículo de psicólogos americanos que podem mesmo prescrever medicação. No Estado do Novo México os psicólogos clínicos adquirem licença de dois anos para prescrever sob a supervisão de um médico. Para isso completam uma prática clínica de 400 horas/100 pacientes sob supervisão direta desse médico. Precisarão passar no Exame Nacional de Certificação. Se o supervisor aprovar e o profissional psicólogo passar na avaliação junto a uma comissão independente (avaliação por pares), poderá prescrever independentemente. Para isso o profissional terá que completar um curso de especialização de 450 horas que inclui psicofarmacologia, neuroanatomia, neurofisiologia, psicofarmacologia clínica, farmacologia, patologia, fármaco-terapêutica, fármaco-epidemiologia, abordagens laboratoriais, e é claro, prática clínica. Por fim, para manter o aprendizado atualizado, terá ainda que completar 20 horas de educação continuada anualmente e ainda colaborar no trabalho com pacientes de clínicos gerais. A aprovação para prescrição também autoriza o psicólogo habilitado a ordenar exames laboratoriais. Bom, acho que isso sim seria uma formação adequada que nos habilitaria a falar algo sério a respeito medicação.
Por fim, uma outra questão não técnica, mas de cunho ético, deverá entrar na equação a favor do trabalho conjugado. Retomemos o estudo citado no início desse texto. Se eu atender um paciente com depressão maior severa, que normalmente inclui risco grande de suicídio, certamente eu não confiarei somente em uma abordagem terapêutica – ainda que as pesquisas comprovem que eu possa vir a ser efetivo utilizando a terapia comportamental. Descontadas todas as dúvidas sobre a qualidade do meu treinamento na condução de uma boa terapia comportamental, o fato é que, dado a gravidade e seriedade do problema, associar terapêuticas com iguais comprovações científicas é algo que a vida do paciente pede. O bem-estar dos nossos pacientes deve estar sempre acima de qualquer briga entre tradições psicológicas e médicas.
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Referências:
- Dimidjian, S., Hollon, S. D., Dobson, K. S., Schmaling, K. B., Kohlenberg, R. J., Addis, M. E., et al. (2006). Randomized trial of behavioral activation, cognitive therapy, and antidepressant medication in the acute treatment of adults with major depression., 74, 658-670. doi: 10.1037/0022-006X.74.4.658