Às vezes nos engajamos em comportamentos ditos pela comunidade verbal como impensados, imprudentes e, principalmente, inconsequentes. Como analistas do comportamento sabemos que todos os comportamentos e/ou instâncias de comportamento podem ser o que quer que sejam, menos inconsequentes.
Segundo Skinner (1957), corroborado por Todorov e Henriques (2013), conforme um indivíduo interage com o meio, instâncias de respostas geram efeitos sobre o meio e as consequências geradas selecionam tais respostas, isto é, o homem age modificando o mundo e é modificado pelas consequências de suas ações.
Essas consequências podem aumentar a probabilidade de uma ocorrência futura de uma resposta da mesma classe, como também podem enfraquecer essa probabilidade. Dadas as consequências, as chamamos de reforçadoras ou aversivas (Skinner, 1953; 1969; 1974).
Quando falamos de uma classe de comportamento que consideramos imprudente, impensada ou inconsequente podemos nos referir, entre diversas classes, aos comportamentos que podem estar sob controle da regra “comigo não acontece”.
Quando um analista do comportamento fica diante de situações em que geralmente é dito que o indivíduo fez sem pensar como dirigir sob efeito de álcool, se engajar em relações sexuais sem proteção, envolver-se em brigas de trânsito ou quaisquer eventos do gênero, não se deve fazer um juízo de valores ou avaliar moralmente tais comportamentos, primeiro porque os comportamentos considerados certos e errados, bons e errados, virtuosos e pecaminosos, legais ou ilegais são estabelecidos por agências controladoras outras que não a psicoterapia (Skinner, 1953), segundo que tais comportamentos não refletem os fatos, mas os sentimentos do psicólogo em relação a tais fatos (Skinner, 1971); o que talvez se deva fazer, então, é analisa-los com base nas consequências que podem ter feito com que eles ocorressem (independentemente de ter sido uma ou várias vezes)
Talvez a explicação mais óbvia que temos como hipótese é a da “batalha” entre reforçadores imediatos versus reforçadores atrasados. Os reforçadores imediatos podem ser a chave para compreendermos tais comportamentos. Eles têm uma função potente de instalarem e manterem respostas em ocorrência de maneira eficaz por ocorrerem num espaço de tempo imediato entre apresentação de resposta e apresentação de consequência (Ferster & Skinner, 1957; Souza & Carrara, 2013)
O dilema é ainda mais sério se atentamos para reforçadores imediatos que são, também, primários. Estes mostram-se como reforçadores potentes e, muitas vezes, generalizados por seu caráter filogenético de seleção do comportamento (Skinner, 1981; 1974). Tais princípios podem explicar porque diversas pessoas engajam-se em comportamentos sexuais sem qualquer tipo de proteção, aumentando não só a chance de contração de doenças sexualmente transmissíveis, mas também desestabilizando as taxas de nascimento e superpopulação do planeta, a nível cultural (Skinner, 1978; 1987).
Fazer sexo sem camisinha e não engravidar a namorada ou então realizar procedimentos abortivos , engajar-se em relações sexuais e ainda assim não contrair quaisquer doenças sexualmente transmissíveis faz com que o indivíduo continue a manter relações sexuais sem proteção alguma porque a regra “comigo não acontece” mantem-se forte em seu repertório verbal, determinando, em partes, a ocorrência do comportamento não verbal correspondente.
No entanto, não podemos apenas olhar para as consequências, para as relações resposta-estímulo, devemos lançar luz sobre outros tipos de variáveis que podem estar controlando tais comportamentos. Uma delas pode ser a falta de oportunidade de aprendizagem de um repertório comportamental complexo que envolve o “saber que pode sim acontecer comigo” devido à falta de exposição a contingências que, ao contrário do que analisamos até agora, mostra que sim, pode acontecer com qualquer um.
A falta de exposição se dá desde o momento em que emitimos todas essas respostas e as mesmas não são seguidas de quaisquer consequências relevantes o suficiente para retroagir e selecionar seus efeitos sobre o meio (Todorov & Henriques, 2013), criando respostas alternativas ao envolvimento em “situações de risco” até o momento em que, no nosso círculo social, não conheçamos ninguém que foram expostos e que, por isso, não foi possível vermos de perto os efeitos de determinadas consequências, ainda que jamais pudéssemos senti-los diretamente sobre nossos próprios comportamentos, impossibilitando tanto o aprendizado por modelação como por instrução.
Além disso, ao estabelecer contingências para a emissão de determinados comportamentos, geramos consequências sobre o meio e ainda assim conseguimos evitar que tais consequências retroajam sobre nós, como quando a mulher opta por abortar¹, pode tornar possível que se condicione toda uma classe de comportamentos que contemplam uma chamada zona de conforto e que abarcam todos aqueles comportamentos que podemos emitir sem que consequências aversivas se seguiriam.
Outra forma de olharmos essa classe de comportamentos ditos imprudentes e impensados é por meio das instâncias verbais do comportamento humano. Comportar-se por meio da regra “comigo não acontece” ou “comigo pode acontecer” podem se estabelecer como relações de equivalência por conta de todas essas vivências e exposição (ou falta dela) às contingências de reforçamento às quais fomos inseridos (Hübner, 2006; Sidman, 2000; 2009), afinal, se não sofremos tais efeitos até hoje, temos pouquíssimas chances de vive-lo de qualquer forma.
Abordar todas as instâncias verbais que podem manter tais classes de comportamento foge do escopo do presente artigo, uma vez que tais contingências são complexas a ponto de muitos autores que pesquisam correspondência verbal-não verbal, segundo Sheyab, Pritchard e Malady (2014), afirmarem que as contingências verbais podem ser tão poderosas quanto (ou até mais que) às contingências não verbais cujas quais os indivíduos estão inseridos. Tendo em vista tal afirmação, o que se coloca à prova é se tais regras em si não ofuscam as contingências de reforçamento não verbais que podemos estar inseridos. Tornar essa hipótese algo a se pensar não esgota o assunto, mas pode nos dar um outro nível de complexidade para o que a comunidade verbal atribui como comportamentos “inconsequentes”.
Referências
Ferster, C. B.; Skinner, B. F. (1957) Schedules of Reinforcement. Cambridge: Copley Publishing Group
Hübner, M. M. C. (2006) Controle de Estímulos e Relações de Equivalência. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. v. XIII, n. 1, pp. 95-102.
Sheyab, M.; Pritchard, J.; Malady, M. (2014) An Extension of the Effects of Praising Qualifying Autoclitics on the Frequency of Reading. The Analysis of Verbal Behavior. v. 30, n. 1, pp. 141-147
Sidman, M. (2000) Equivalence Relations and the Reinforcement Contingency. Journal of the Experimental Analysis of Behavior. v. 74, n. 1, pp. 127-146.
Sidman, M. (2009) Equivalence Relations and Behavior: An Introductory Tutorial. The Analysis of Verbal Behavior. v. 25, n 1, pp. 5-17.
Souza, V. B.; Carrara, K. (2013) Delineamentos Culturais: transferência de controle de reforçadores arbitrários a naturais e de imediatos a atrasados. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. v. XXV, n. 1, pp. 83-98.
Skinner, B. F. (1938) The Behavior of Organisms. Cambridge: Copley Publishing Group.
Skinner, B. F. (1953) Science and Human Behavior. New York: The Free Press.
Skinner, B. F. (1957) Verbal Behavior. Cambridge: Copley Publishing Group.
Skinner, B. F. (1969) Contingencies of Reinforcement – A Theoretical Analysis. New York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1971) Beyond Freedom and Dignity. Cambridge: Hackett Publishing Company.
Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books.
Skinner, B. F. (1978) Reflections on Behaviorism and Society. New York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1981) Selection by Consequences. Science. v. 213, n. 4507, pp. 501-504.
Skinner, B. F. (1987) Upon Further Reflection. New York: Appleton-Century-Crofts.
Todorov, J. C.; Henriques, M. B. (2013) O que não é e o que pode vir a ser comportamento. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, v. 9, n. 1, pp 74-78.