Quando se discute liberdade acerca da Análise do Comportamento podemos dizer que vemos essa definição de uma maneira diferente de como é apresentado pelo senso comum e também por alguns pensadores, como Sartre, Descartes, Kant, Marx e outros. Muitos deles já falaram e discutiram sobre liberdade, pois esse tema desperta muitos questionamentos. Quando estou numa roda de amigos ou num meio de pessoas que começam a discutir sobre esse assunto, logo ouço, que ser livre é quando a pessoa age diante de sua própria vontade, atribuindo a causa de sua ação a seu livre arbítrio, ou seja, agindo sem depender de algo, considerando que a causa de seu comportamento está dentro de si e não depende de outra pessoa ou de algo para a sua ocorrência. Nesse caso, temos um conceito mentalista e o Behaviorismo Radical, abordagem teórica que fundamenta Análise do Comportamento, não aceita essa relação de causalidade. O conceito de liberdade pode ser também definido do ponto de vista filosófico, político, ético e jurídico. Ou seja, encontraremos muitos conceitos para a palavra liberdade.
Para nós, analistas do comportamento, liberdade é quando controlamos as contingências que controlam nosso comportamento (Skinner,1972). Mas poucas pessoas conceituam liberdade dessa maneira. Dessa forma, pensamos que para controlar essas contingências, é preciso conhecê-las. Conceituar liberdade da maneira como é definida socialmente pode trazer para cada um, uma tentativa constante de almejar algo que talvez não seja possível conquistar. Por isso vimos a importância de falar sobre outro conceito fundamental para a conquista da liberdade, o autoconhecimento.
O autoconhecimento é um comportamento verbal discriminativo que significa ter conhecimento sobre si mesmo (Skinner,1993), o que quer dizer, ser consciente do próprio comportamento e isso se dá quando conseguimos discriminar variáveis no ambiente que estamos inseridos e o quanto elas influenciam o nosso comportamento. Geralmente as pessoas se comportam sem estarem atentas ao porquê acontecem determinadas coisas em sua vida, não se dão conta de que suas ações têm consequências e que seus comportamentos são gerados por algum evento anterior (antecedente), sem prestarem atenção nisso acabam atribuindo e justificando sua forma de agir a causas internas do organismo, o que não traz nenhuma explicação e por fim nenhuma mudança.
Muitos clientes quando chegam ao consultório relatam como uma de suas queixas principais o fato de não se sentirem livres, que não gostariam que fossem controlados pelo que sentem ou pelo que fazem. E de fato isso acontece com frequência, porque se não soubermos identificar as variáveis e as contingências que em nossa vida possam nos trazer coisas boas ou não, vamos apenas vivendo em qualquer contingência sem ter conhecimento das consequências e do controle que cada uma delas exerce em nossa vida. Sem autoconhecimento, deixamos a vida nos levar e muitas vezes somos levados para lugares que não gostaríamos de estar. É nesse momento, que nós terapeutas começamos a fazer um trabalho muitas vezes de formiguinha. Começa aí o processo terapêutico, no qual para que ocorram mudanças necessárias, é preciso que o cliente conheça a si próprio, mas para isso, tem que aprender primeiro a se observar, discriminar as variáveis de controle existentes em sua vida, para então chegar ao autoconhecimento e talvez até a mais sonhada “liberdade”.
Como dito anteriormente, nesse processo de autoconhecimento existem alguns repertórios que devemos favorecer e treinar em nossos clientes, como a observação dos seus próprios comportamentos, sua descrição e discriminação, no sentido de entender o efeito que um determinado contexto ou estímulo tem sobre seu próprio comportamento, estas são habilidades importantes e necessárias para o bom andamento do processo de autoconhecimento. O treino desses repertórios acontece durante todo o processo da terapia. Ao favorecer que um cliente apresente comportamentos que chamamos de autoconhecimento, é preciso tomar alguns cuidados. O terapeuta além de tantas outras habilidades e do conhecimento teórico sobre os conceitos citados, precisa ficar atento para que nesse processo de autoconhecimento-liberdade, favoreça que o cliente por si só faça suas próprias análises e diante dessas crie ocasião para comportamentos mais favoráveis diante das variáveis controladoras. Como já foi dito anteriormente o treino de discriminação é um comportamento modelado no decorrer do processo terapêutico. É possível que após a aquisição desses novos repertórios no cliente possa haver uma maior sensibilidade às contingências e à emissão de análises e conclusões realizadas por ele mesmo.
De acordo com Skinner “Não nos devemos surpreender com o fato de que quanto mais soubermos sobre o comportamento alheio, melhor compreenderemos a nós mesmos” (Skinner, 1982). A relação que mantemos com as outras pessoas nos diz muito sobre nós mesmos, enfim somos seres altamente sociais e geralmente é nessa relação que identificamos as variáveis que nos controlam. A grande vantagem de viver esse processo de conhecimento, inclui conseguir por meio desse, uma certa previsibilidade e controle (liberdade) sobre a obtenção de reforços dentro do ambiente em que se vive. Nosso comportamento é reforçado na relação com as outras pessoas, ou seja, pelo efeito que geramos nos outros. Diante disso poderíamos dizer que conhecer o outro, ao menos os que convivemos, é de grande valia.
O processo de mudança na terapia não acontece de uma hora para outra, esse processo de autoconhecimento pode levar mais tempo do que muitos dos clientes esperam, o que pode ser um entrave no processo de autoconhecimento. Nós, seres humanos, estamos acostumados a fugir do que é ruim, sendo o processo terapêutico, algo lento e muitas vezes dolorido, pode fazer com que alguns clientes desistam do processo para se esquivarem de estímulos aversivos que podem ser evocados nas sessões. Talvez alguns clientes não permaneçam tempo suficiente na terapia para entrarem em contato com o conhecer a si mesmo e se sensibilizarem das vantagens que isso possa lhe trazer.
Algumas teorias conceituam liberdade como a ausência de controle aversivo, por isso deixar a terapia antes de alcançar esse objetivo muitas vezes é a única coisa que o cliente está apto a fazer. De acordo com Skinner (1982), agimos com a intenção de nos livrarmos de contatos prejudiciais. Mas com a finalidade de encontrar a liberdade muitas vezes se faz necessário lidar com os estímulos aversivos. De acordo com um antigo supervisor e psicólogo, “Fazer terapia é despertar a dor da lucidez” ou seja, é entrar em contato direto com lembranças, relatos e análises que nos trazem sofrimento e dor.
Ter conhecimento sobre os conceitos da abordagem na qual atuamos é importante para todo terapeuta e de qualquer outra abordagem. Decidi aqui falar sobre o conceito de liberdade por identificar no relato dos meus clientes o quanto que a falta de “liberdade” é uma demanda e uma queixa frequente. Quando o cliente tem esse tipo de relato pode não estar sobre o controle do mesmo significado de liberdade que nós terapeutas, analistas do comportamento, estamos. Precisamos entender o que o cliente chama de liberdade e aí sim, trabalhar a demanda diante do que consideramos ser livre. O cliente pode relatar falta de liberdade por várias razões, por exemplo, não trabalhar e não ter seu próprio dinheiro, ter um parceiro (a) ciumento, ter filhos e não poder se comprometer em certas situações, ter um trabalho que demanda muito, cada um vai nomear a ausência de “liberdade” de acordo com sua queixa e história de vida e etc…
A desconstrução desse conceito pode tornar-se um processo às vezes difícil. Ao falar sobre o nosso entendimento de liberdade, alguns ficam perplexos. É fato, que alguns clientes por várias razões vão pensar e conceituar liberdade de uma maneira diferente da nossa. Portanto quando decidimos discutir sobre esse conceito afim de trabalhar suas queixas e demandas, temos que dizer com cuidado, de uma forma clara e utilizando-se de uma fala não punitiva além de também considerar que o cliente vive em uma sociedade que, é a mesma que a nossa, mas tem conceitos distantes do que nós enquanto analistas do comportamento podemos ter e entender.
Para ajudar nossos clientes precisamos entender a liberdade vista a sua maneira e mostrar-lhes que o entendimento desse conceito, na visão da Análise do Comportamento, traz muitos ganhos ao cliente, como a possibilidade de entender quais problemas lhe atingem e aprender a lidar com eles e ainda ter a oportunidade de modificá-los. Pensamos que dessa forma nos damos a oportunidade de entendermos a vida como um processo em constante mudança, onde somos ativos e atuantes, onde existem várias possibilidades e alternativas para modificarmos algumas variáveis e consequentemente ter essa sensação de liberdade.
Referências
Skinner, B. F. (1972). O mito da liberdade. São Paulo: Summus.
Skinner, B. F. (1993). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1982). Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix.