Autora: Marianna Brito
Psicóloga – Núcleo Paradigma
Contato: mariannagabriela@gmail.com
Ao olharmos para a nossa sociedade atual – na tentativa de entendê-la-, podemos perceber a importância de tratar sobre comportamento social. Skinner (2007), ao iniciar o capítulo intitulado como “Controle pelo grupo”, diz:
“o indivíduo está sujeito a um controle mais poderoso quando duas ou mais pessoas manipulam variáveis que têm um efeito comum sobre seu comportamento. Isso acontece quando duas ou mais pessoas se propõem a controla-lo do mesmo modo. Geralmente a condição fica satisfeita quando os membros de um grupo competem por recursos limitados. Um sistema social (…) então se estabelece, no qual o reforço positivo de um é negativo para outro[1]” (2007, p. 353).
O autor cita como exemplo disso, uma situação na qual uma criança pega o brinquedo da outra. A que pegou o brinquedo teve sua resposta positivamente reforçada (pela presença do brinquedo em suas mãos), enquanto que a perda do brinquedo é aversiva para a outra criança.
Várias situações do nosso cotidiano são como esta e nos trazem inúmeros conflitos. Por exemplo: a desigualdade social, alguns tipos de ambiente de trabalho, a fase de prestar vestibular, entre outras.
Sobre a desigualdade social, podemos perceber que, no nosso país – e no mundo, de uma forma geral -, a maior parte das pessoas trabalham de forma a receber seus salários ao final do mês. Os salários podem e devem ser entendidos como reforçadores generalizados, uma vez que permitem acesso a inúmeros outros reforçadores (Skinner, 2007). Com base no tipo de trabalho e de horas trabalhadas, as pessoas acabam recebendo valores diferentes: algumas poucas pessoas recebem muito dinheiro, enquanto outras (muitas) pessoas recebem pouco. Nesta situação, apesar de os dois grupos (que recebem muito e que recebem pouco) se comportarem para ganharem dinheiro por seu trabalho, o dinheiro é distribuído de forma desigual. Como o dinheiro é “um só” (é uma fonte esgotável), a partir de um momento que um determinado grupo recebe mais, automaticamente o outro receberá menos. E isso se assemelha à situação do brinquedo descrita por Skinner. É como se os dois grupos (que recebem muito e que recebem pouco) estivessem competindo pelo dinheiro (como as crianças fizeram com o brinquedo). Um grupo acaba ganhando – assim como uma criança fica com o brinquedo e a outra, não. O grupo que ganha mais dinheiro tem seu responder (trabalhar) positivamente reforçado. Já o receber menos dinheiro, mesmo trabalhando, pode ser aversivo para este segundo grupo (visto que eles também trabalham, muitas vezes até mais do que o pessoal do primeiro grupo). Assim, uma condição aversiva é criada.
Diante de uma condição aversiva imposta pelo outro grupo, o grupo que recebe o salário menor pode passar a emitir comportamentos de contracontrole (Skinner, 1953; Baum, 2006). Podemos encaixar neste caso, por exemplo, os roubos e assaltos feitos por pessoas de classe social mais baixa. Eles podem sentir raiva e todas as outras emoções relacionadas a estar diante de estimulação aversiva (não ganhar dinheiro como o outro ganha) e, junto com isso, se comportam para diminuir essa estimulação – ao roubar, por exemplo, o sujeito tem acesso ao reforçador que o indivíduo com salário mais alto conseguiu adquirir.[2]
Ainda sobre este assunto, não podemos deixar de ressaltar o fato de que, apesar da possibilidade de a situação aversiva ser criada, mesmo quem trabalha e recebe um salário menor, tem seu comportamento (de trabalhar) positivamente reforçado. Este fato diz respeito ao que Baum (2006) denominou de “escravo feliz”. Este autor utiliza como exemplo as crianças que trabalhavam em fábricas no século XIX que, apenas quando adultas, se davam conta de que haviam sido escravizadas – enquanto trabalhavam, estava satisfeitas, recebendo seu dinheiro. Existe aqui uma relação de exploração, que acontece porque, a curto prazo, o comportamento do explorado é positivamente reforçado – apesar de, muitas vezes não ser reforçado a longo prazo. Essas relações (de exploração) podem ser consideradas, de acordo com Baum (2006) como uma forma sutil de iniquidade – uma vez que, a longo prazo, um grupo/indivíduo é enganado. Nas palavras de Baum (2006), “(…) a participação do parceiro explorado na relação é, em última instância, severamente punida”.
Quando olhamos para uma outra situação, como a dos ambientes de trabalho, percebemos que muitas pessoas que trabalham dentro de uma empresa competem o tempo todo para conseguir chegar no topo, ser o chefe, ganhar mais dinheiro e status (reforçadores importantíssimos). Quando uma pessoa consegue alcançar essa posição (e é positivamente reforçado por isso), elimina a chance dos outros (que ficam diante de uma situação aversiva) também o fazerem. Esta é mais uma situação comparável à do brinquedo (um consegue o brinquedo/ a vaga, e o outro perde o brinquedo/ não consegue a vaga). Mais uma vez, é possível que o grupo de pessoas que não conseguiu a vaga emitam comportamentos de contracontrole – tais como o famoso “puxar o tapete” ou qualquer outro comportamento deste tipo. Seria semelhante ao comportamento de roubar, uma vez que é uma das formas de produzir o reforçador que o outro produziu.
Uma terceira situação que pode ser abordada é comumente vivida por adolescentes, em sua maioria: prestar vestibular. Aqui, mais uma situação na qual a competição entre as pessoas é estimulada, fazendo com que poucas tenham acesso ao reforçador positivo (ser aprovado na faculdade) e muitas tenham acesso à situação aversiva (não ser aprovado). Como forma de contracontrole, podemos pensar diferentes exemplos: levar cola para a prova, desistir de prestar o vestibular e seguir por outra profissão, etc.
Pensando nestes exemplos e em vários outros, podemos perceber que, desde pequenos, as contingências de competição estão presentes nas relações sociais. E ela é sempre em relação ao outro. Ou seja, o outro acaba adquirindo propriedades aversivas – o que não é nada bom para quem vive em sociedade e precisa do outro para sobreviver.
Sendo assim, estas práticas culturais que nos levam à competição, fazem com que estejamos sempre disputando reforçadores positivos com o outro, o que faz com que o outro se torne aversivo. Como isto não é bom para a sociedade, seria necessário criarmos outras formas de lidar com o outro, mesmo em situações nas quais os reforçadores positivos não possam ser distribuídos de forma igual. Para que isso aconteça, talvez seja necessário que o nosso sistema social atual mude. Nós, analistas do comportamento, temos ferramentas suficientes para produzirmos mudanças positivas no mundo, mesmo quando estamos falando sobre comportamentos que envolvem a relação com o outro (comportamento social). Temos a noção de ambiente/estímulo social, episódio social e verbal, variáveis que influenciam nestes episódios, controle pessoal e as diferentes formas/técnicas para controlar o outro (reforço, punição, restrição física, privação e saciação…) e de controle pelo grupo. Utilizando todas estas noções das quais temos conhecimento e sabemos manipular, poderemos transformar o mundo em um lugar melhor. Agora, é necessário ver quem tem interesse e disposição para encarar esta aventura, que pode ser bastante frustrante, visto que mudar o mundo será algo que não produzirá reforçadores positivos para todos os envolvidos. Tentar mudar o mundo pode criar situações aversivas também, como aquela criança que perde o brinquedo…
Referências bibliográficas:
Baum, W. M. (2006). Compreender Behaviorismo: comportamento, cultura e evolução. Tradução de M. T. Araújo Silva, da 2ª ed. Ampliada de 2005. Porto Alegre: Artmed.
Skinner, B. F. (2007). Ciência e comportamento humano. (J. C. Todorov & R. Azzi; Trads.) São Paulo: Martins Fontes (Trabalho original publicado em 1953).
[1] Importante ressaltar que quando Skinner diz “negativo”, nesta frase, ele não está dizendo que o reforço positivo para o comportamento de um indivíduo é reforço negativo para o comportamento do outro, mas sim que o reforço positivo para o comportamento de um indivíduo tem a função de punição para o comportamento do outro.
[2] Gostaria de deixar claro que não estou afirmando que apenas pessoas desta classe agem desta forma e nem que este (desigualdade social) é o único motivo para comportamentos deste tipo. Muito provavelmente, se a nossa sociedade fosse socialmente mais equilibrada – com a renda melhor distribuída – existiriam menos comportamentos de assaltos, roubos, etc.