O processo de enlutar-se e possíveis intervenções clínicas

O fenômeno do luto é estudado pela psicologia em suas diversas abordagens teóricas. Talvez as abordagens mentalistas como a psicanálise e a gestalt-terapia sejam as que mais ganham exposição e importância no trato do tema para o público em geral. No entanto, a Análise do Comportamento também pode apresentar explicações teóricas e empíricas para o fenômeno de enlutar-se.

Oliveira (2014) afirma que o luto e o enlutar-se “envolve processos psicológicos básicos (como a memória e a percepção) e fenômenos complexos, que deverão ser analisados como qualquer outro comportamento” (p.5), isto é, o comportamento de enlutar-se e o fenômeno do luto devem ser analisados funcionalmente como quaisquer outros comportamentos que chegam à clínica.

Parkes (1998 como citado por Oliveira, 2014 e Torres, 2013) entende luto como uma reação a uma perda que, em geral, é de uma pessoa próxima, amada, sendo uma resposta ante à falta de um ente querido. Torres (2013) aponta que quanto maior for o vínculo estabelecido com o ente que partiu, maior será a dor que o cliente sentirá em função dessa perda. Dessa forma, o problema é situado quando o cliente não consegue mais realizar atividades cotidianas que realizava normalmente antes da perda do ente querido. Talvez essa seja a definição operacional de um luto mal elaborado.

No entanto, não é apenas em contextos de perda de entes queridos que podemos observar o comportamento de enlutar-se. O término de um relacionamento amoroso, o término da faculdade, uma demissão e até mesmo ir morar em outro país fazem com que o luto possa se fazer presente, pois devemos aprender a viver e conviver com a ausência de estímulos e situações que antes eram essenciais e que, em determinado momento, deixaram de fazer parte do cotidiano.

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Oliveira (2014) faz um trabalho muito relevante para o estudo analítico-comportamental do luto e cita uma das autoras mais referenciadas no tema quando nos mostra as fases do luto; Klüber-Ross (2005) aponta cinco fases do processo de enlutar-se, a saber: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.

A primeira fase, negação, caracteriza-se como a fase em que o enlutado apresenta comportamentos que parecem negligenciar a morte ou perda do ente querido e de eventos que não mais existem como ainda estivessem presentes, por meio de seus comportamentos, de forma a parecer que tudo não passa de um engano.

A fase da raiva representa a evocação de comportamentos agressivos e revoltados, geralmente dirigidos a alguém (seja a uma pessoa, a um profissional – como quando culpam os médicos – seja a Deus e à instituição religiosa). Nessa fase, o enlutado parece querer culpar alguém.

A terceira fase, nomeada de barganha, implica a intenção do enlutado de negociar a perda. Nessa fase, talvez seja esperado que o indivíduo ofereça alguma coisa de seu pertence em troca da vida de seu ente querido, pode ser que essas ofertas sejam feitas a Deus ou a qualquer entidade poderosa o suficiente para trazer alguém à vida, de acordo com sua crença.

A depressão é a fase que se caracteriza pela inibição de comportamentos proativos e que comportamentos como isolar-se, sentir-se triste, apresentar comportamentos introspectivos e chorar aumentam de frequência no repertório do enlutado.

Por fim, a aceitação é a fase em que o enlutado parece se conformar e aceitar sua perda. Parece parar de querer lutar contra o evento em si, o que facilita o enfrentamento da dor em função da ausência do ente querido.

Dessa forma, conseguimos enxergar ao menos um fenômeno comportamental que pode influenciar a emissão de todos esses comportamentos: a extinção. Skinner (1953) afirma que a extinção tem como propriedade principal ser o não reforçamento de uma resposta e que, mesmo tendo o efeito de diminuição de frequência de resposta, gera variabilidade comportamental. Talvez isso justifique o padrão comportamental descrito e categorizado em fases por Klüber-Ross (2005).

Oliveira (2014) e Torres (2013) concordam com o fato de que devemos analisar funcionalmente todos os comportamentos públicos e privados que contemplam o fenômeno do luto e, quando um cliente procura a terapia com uma queixa relacionada a isso, o profissional deve adotar uma postura empática e acolhedora, entregando-se à relação terapêutica a fim de compreender as contingências de reforçamento nas quais o cliente está inserido com a maior fidedignidade que possível.

Para tanto, é sugerido que o cliente execute determinadas tarefas, em conjunto com o terapeuta, que não só o ajudarão a entender a perda, mas aumentarão a probabilidade de que ele aprenda a conviver com a ausência do objeto perdido e mantenha sua qualidade de vida.

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A primeira tarefa é de aceitar que a morte de um indivíduo é um fato natural da vida e que isso implica aceitar que esse ente querido se foi e que jamais voltará. Esse procedimento é complexo em razão de terapeuta precisar ver o sofrimento do cliente ao entrar em contato com a contingência muito singular que é a contingência da morte. Envolve uma postura terapêutica muito empática e muito acolhedora.

A segunda tarefa é de fazer com que o cliente processe a dor da perda, para que ele entenda o que está sentindo frente à ausência perpétua de seu ente querido e para que e sinta essa dor, permitindo que se manifeste. Nessa tarefa, segundo Oliveira (2014) é normal que o cliente se esquive de lembrar da pessoa morta, que evite ver fotografias e frequentar lugares, demandando do terapeuta técnicas de bloqueio de esquiva, porque, a curto prazo, esses comportamentos geram consequências “boas”, pois evitam o sofrimento, mas a longo prazo podem ser desastrosos: impedem a despedida daquele que se foi e o indivíduo continua mantendo os comportamentos de se esquivar de quaisquer memórias e lugares frequentados pela pessoa, com alta probabilidade de ocorrência no repertório comportamental.

A terceira tarefa é a de se adaptar a um mundo em que a pessoa amada está ausente. É o momento de se comportar sem a pessoa ou evento amado, é o momento de entender que mesmo na perda, podem haver ganhos: continuar fazendo as coisas produtivas que eram feitas na presença do ente querido e nas circunstâncias que eram antes vividas e não mais o são.

A quarta tarefa é fazer com que o cliente encontre um meio de estabelecer uma conexão com aquele que se foi, não a nível espiritual, mas a nível de comportamentos socialmente aprendidos com ele (Catania, 1999). Oliveira (2014) aponta que podemos conseguir isso ficando sob controle de estímulos que estão relacionados à pessoa ou ao evento perdido, por meio de valores ensinados, falas características, costumes a serem repetidos, estabelecendo uma relação com o objeto perdido sem que se gere um sofrimento desnecessário e insuportável, e que, ao contrário, aumente a qualidade de vida de quem ficou.

Referências

Catania, A. C. (1999) Aprendizagem – comportamento, linguagem e cognição. 2 ed. Porto Alegre: Artmed.

Oliveira, D.  R. (2014) Terapia do Luto: contribuições e reflexões sob a perspectiva da Análise do Comportamento. Monografia de Conclusão de Curso apresentada à Universidade de São Paulo (USP). São Paulo.

Kübler-Ross, E. (2005) Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Martins Fontes.

Skinner, B. F. (1953) Science and Human Behavior. New York: The Free Press.

Torres, N. (2013) Luto: a dor que se perde com o tempo (…ou não se perde?). Londrina: IACEP.

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Escrito por Renan Miguel Albanezi

Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário Cesumar (UniCesumar), especialista em Análise do Comportamento e Psicoterapia Cognitivo-Comportamental pelo Núcleo de Educação Continuada do Paraná (NECPAR) e em Terapia Comportamental pela Universidade de São Paulo (USP). Tem como principais áreas de estudo o Behaviorismo Radical e a Análise do Comportamento com interesse em comportamento verbal, agências controladoras do comportamento, psicoterapia comportamental e psicoterapia analítica funcional.

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