“…O mal do século é a solidão. Cada um de nós imerso em sua própria arrogância, esperando por um pouco de afeição…”
Renato Russo
No processo terapêutico, muitos são os comportamentos que o terapeuta deve emitir sob controle de seu cliente, como atentar-se a aspectos do relato (conteúdo, entonação e velocidade), aos comportamentos não vocais (gestuais), às emoções que acompanham o relato, além de uma série de habilidades ou déficits comportamentais que o cliente revela ao estabelecer relações diante de questões evocadas no processo terapêutico.
Estabelecer um bom vínculo com o cliente é essencial para manter a boa relação terapêutica. Mas, é importante ressaltar que, para assegurar que o ambiente terapêutico seja fonte de estimulação e engajamento para o cliente, alguns repertórios básicos devem ser desenvolvidos no repertório do terapeuta. Além das habilidades descritas acima, a empatia é sem dúvidas um tipo de “comportamento-chave” emitido pelo terapeuta que fará com que o cliente se sinta à vontade, aumentando a probabilidade de que se exponha cada vez mais na relação terapêutica – proporcionando e facilitando esta manutenção.
Portanto, cabe ao terapeuta a responsabilidade de fornecer este ambiente “cor-de-rosa”, acolhedor e não punitivo que é base para o desenvolvimento da relação terapêutica.
E cá entre nós: quando dito desta forma fico com a impressão de que “ser terapeuta” implica em agir empaticamente – como um comportamento considerado pré-requisitos da nossa “to do list”. Mas será que é mesmo um processo tão natural para o terapeuta sensibilizar-se com o sofrimento de seu cliente? E como é possível desenvolver este tipo habilidade?
Calma! Vamos por partes.
De acordo com Del Prette & Del Prette (2001); e Rocha (2010), a empatia engloba três componentes: o cognitivo – responsável por compreender a perspectiva e emoções do outro; o afetivo – que diz respeito a capacidade de vivenciar de forma controlada a emoção do outro (compaixão); e o comportamental – que é a ação, neste caso do terapeuta, de se aproximar da perspectiva do outro e demonstrar benevolência para com seus sentimentos e emoções. Além disso, a empatia pode ocorrer de duas formas: por meio da verbalização e/ou da compreensão empática.
Pode-se compreender a empatia, como a capacidade de percepção, sensibilização e experienciação para com os sentimentos e emoções – positivas e negativas – de outros indivíduos. Ser empático envolve a habilidade para se colocar, metaforicamente, no lugar, na perspectiva do outro que sofre. É aceitar, compreender, escutar, validar se conectar e cuidar da experiência de sofrimento, independentemente de valores, julgamentos e crenças particulares de quem acolhe.
Segundo Del Prette & Del Prette (2001), proporcionar um ambiente pontualmente empático reduz a emissão de comportamentos aversivos presentes na fala do cliente, a médio e longo prazo, reforça positivamente o cliente a compartilhar dificuldades facilitando a comunicação, diminui a emissão de comportamentos autodestrutivos, e fortalece vínculos. Em contrapartida, o indivíduo que não se desenvolve em um ambiente empático – considera-se aqui o ambiente familiar e social, não aprende a ficar sob controle de consequências que pode afetar outros indivíduos, e está mais propenso a adquirir comportamentos agressivos e antissociais.
Diante desta compreensão, pode-se interpretar que a empatia é uma classe de comportamentos a ser emitido, neste caso pelo terapeuta, que deve consequenciar de forma acolhedora o relato de sofrimento do cliente. Este é um repertório que demanda além da sensibilidade do terapeuta, habilidade, treino e refinamento: comportamentos estes selecionados ontogenéticamente – tanto por outros clientes, quanto pela comunidade que treina e modela o terapeuta.
Para aperfeiçoar este padrão comportamental empático, Del Prette & Del Prette (2001) definiram três tipos de componentes:
Componentes verbais: envolvem falas do terapeuta indicativa de reconhecimento do sofrimento com a emissão frases que sintetizam o conteúdo (Ex: …Sei.. e aí você foi embora mesmo querendo ficar), juntamente com solicitação de reflexão (Ex:… o que consegue fazer agora?), e reflexão dos sentimentos (Ex: …é compreensível que você se sinta assim). Pode ou não ser acompanhado de comportamentos gestuais, que enfatizem o cuidado do terapeuta/acolhedor.
Componentes não verbais: Cabe ao terapeuta associar componentes verbais com comportamentos não vocais (gestuais), tais como a forma de olhar, gestos que acompanham harmoniosamente a fala, proximidade espacial em relação ao outro, etc.
Componentes paralinguísticos: Atenta o terapeuta para nuances do relato – entonação, volume, ritmo, pausa, que novamente, deverão ser associados com os componentes verbais.
Além destes três componentes é importante que o terapeuta aja de forma natural e neutra em relação ao conteúdo do relato trazido, e que seja capaz de observar comportamentos não verbais que podem indicar o grau de aversividade do que está sendo dito, ou ainda, padrões comportamentais que se distanciem do habitual do cliente.
E quem disse que esta é uma habilidade terapêutica fácil?
Afinal, o que é sofrimento para o outro nem sempre é sofrimento para mim.
Acredito que dentre estes, o exercício mais difícil para o terapeuta seja o de considerar como válido e real todo e qualquer sofrimento relatado a partir da perspectiva do falante. Anterior a adquirir a habilidade de ser empático, o terapeuta deve se desprender de quaisquer características pessoais: deve ser capaz de separar, genericamente, o “indivíduo pessoal” do “indivíduo profissional”.
A partir do momento em que entrar no setting clínico deverá fazer o exercício de deixar da porta pra fora qualquer tipo de valor, pré-conceito, credo, gênero ou raça, e ser capaz de desempenhar um papel plenamente sensível e genuíno, sem banalizar ou pré-julgar como não sofrimento o conteúdo relatado. Deve-se deixar ser moldado e modelado a partir do relato do cliente e com isso acolher, validar e se conectar da melhor forma possível com o sofrimento trazido – de maneira particular com cada um.
Nem sempre será uma tarefa fácil – e tudo bem, faz parte! Ser um terapeuta empático requer muita prática: dependerá de autoconhecimento pessoal, principalmente ético e moral, no que diz respeito também a respeitar os próprios limites enquanto “indivíduo pessoal” e “indivíduo profissional”, que serão construídos à medida que o terapeuta vai se desenvolvendo e adquirindo experiência.
A seguir recomendo uma animação que ilustra de forma simples e resumida o conceito de Empatia: Mais informações vejam o vídeo: Citações e referências em sites e páginas web (3 min. 01 sec.)
Referências Bibliográficas
Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2001). Psicologia das relações interpessoais: Vivencias para o trabalho em grupo. Petrópolis: Vozes.
Rocha, G. V. M. Empatia. In: Paula Inez Cunha Gomide. (Org.). Comportamento Moral. 1ed.Curitiba: Juruá Psicologia, 2010, v. 1, p. 69-80.
Skinner, B.F. (1989). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes. (Publicação original de 1953).
Zamignani, D. R. (2008). O desenvolvimento de um sistema multidimensional para a categorização de comportamentos na interação terapêutica. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo.