O principal objetivo desta coluna será acompanhar os desafios e vitórias de Telma, uma Terapeuta Analítico-Comportamental recém-formada, dedicada e ansiosa por “fazer um bom trabalho”. Seu caminhar, longe de ser linear ou tedioso, é cheio de becos sem saída e tropeços, mas também leva a lugares novos e inspiradores. A descrição priorizará sua experiência em detrimento de descrições teóricas ou técnicas, embora a narrativa provoque reflexões diretas sobre aspectos conceituais e práticos da atuação do Analista do Comportamento na clínica.
Neste primeiro artigo, o conflito vivenciado por Telma ao receber uma nova cliente será apresentado. Parece que os objetivos clínicos iniciais podem ser contaminados por variáveis individuais do terapeuta, mais do que se deseja admitir. A cada novo artigo, novos tropeços e conquistas de Telma são conhecidos, e novas reflexões serão fomentadas. E a caminhada começa.
Na semana de aniversário de 26 anos de Telma, ela não poderia receber melhor presente do que uma nova cliente. Mesmo após um ano de formada, sentia-se apreensiva diante de um encontro praticamente “às escuras’: “ela gostará de mim?”
Telma teve uma simpatia imediata por Carla ao encontrá-la. Ela estava bem vestida, com roupas bonitas e bastante sóbrias, era educada e cordial, sorrindo desde a recepção até o consultório. Já na sala de atendimento, nossa cliente-modelo sentou-se diante de Telma, aguardando que a terapeuta pudesse dizer-lhe o que deveria falar. Como Carla nada falou, Telma iniciou a conversa do encontro.
Terapeuta: [Olhando e balançando a cabeça] O que a levou a buscar terapia?
Carla: [ri sem graça] Uma amiga vivia insistindo pra eu procurar. (…) [risinhos, olhando pra baixo]
Terapeuta: [sorri, balançando a cabeça] Aham
Carla: Pois é…. [risinhos, olhando pra baixo]
Terapeuta: Você imagina o que a leva a insistir pra você buscar terapia?
Carla: Não sei direito. Ela fala que preciso dizer não pras pessoas, que não devo deixar que se aproveitem de mim.
Será que Telma havia ganhado na loteria? Seria a hora de utilizar o velho e clássico Treino Assertivo, ensinando a Carla a dizer não para as pessoas? Era fácil para Telma dizer para Carla o que estava errado e como agir para resolver.
Telma sempre foi uma garota prática e bem observadora. Bastava meia dúzia de colocações para ensinar às amigas o que estavam fazendo de errado e o que deveriam mudar. Embora muitas vezes seu entendimento acertasse na mosca, isso não garantia que fosse escutada. Na verdade, isso gerava às vezes um afastamento das amigas-alvo de suas “soluções”. Com a Psicologia, seus palpites tomavam formas mais sofisticadas, mas não a ajudavam ser escutada ou manter próximas as amizades.
E não foram apenas amizades perdidas. A sua prática clínica era marcada por um grande número de clientes que abandonavam a terapia, mesmo quando Telma “sabia” e contava, exatamente o que estava de errado. Como prática que era, Telma resolveu buscar uma solução através de supervisão. Ela desejava que a supervisora Sara a dissesse o que estava fazendo de errado, e como deveria resolver seu problema com seus clientes, levando-os a ouvi-la e a se engajar nas soluções por ela delineadas.
E com Sara, Telma não recebeu o que buscava, ou o que pensava buscar. Na verdade, recebeu algo que nunca imaginou ser possível receber. Os erros de Telma não foram apontados por Sara, nem foram ditadas as ações que a jovem terapeuta deveria “obedecer”. Sara escutou Telma, a acolheu, se mostrou genuinamente interessada no que ela falava, fazendo muitas perguntas que a faziam pensar e olhar para tantas coisas que nunca havia pensado ou olhado antes, já que possuía rapidamente a solução dos problemas a partir de meia dúzia de frases das pessoas.
E naquela sessão, foi a primeira vez que Telma verdadeiramente se encontrou com um cliente, escutando, acolhendo, com interesse e perguntando tantas coisas que Carla nunca havia tido oportunidade de pensar ou olhar antes, por que também as pessoas em torno de Carla sabiam qual era o seu problema e ditavam a solução de sua dificuldade.
Naquele dia, embora fosse no mínimo diferente para Telma sair do atendimento sem ter “feito nada” em relação a dar uma solução para o problema de Carla, Telma compreendeu o verdadeiro sentido dos objetivos dos primeiros encontros terapêuticos. Sentiu uma ligação importante com Carla e começou a compreender minimamente suas dificuldades e sentimentos ao escuta-la.
Telma não sabe ainda, mas nunca esteve tão próxima de encontrar a “solução” da dificuldade de duas pessoas: a da cliente e a sua própria.
O saber sobre os objetivos do primeiro encontro envolve descrever sobre a importância do estabelecimento da relação terapêutica, da coleta de dados e de possíveis intervenções.
Hipoteticamente, talvez se Telma fosse entrevistada sobre o estabelecimento da relação terapêutica, ela comentaria que se deve ouvir o cliente, ser cordial e apresentar “audiência não-punitiva”, etc. Em alguns momentos dessa entrevista fictícia, seu relato poderia parecer algo “decorado” (e.g. intraverbalizado) ou mesmo algo a ser feito (tolerado) para finalmente começar a fazer o que se deve realmente fazer (i.e. coletar dados ou intervir).
O relato sobre a experiência de Telma talvez seja provocador por apresentar o estabelecimento da relação terapêutica não como um objetivo inicial para finalmente alcançar as intervenções. Escutar, acolher, se interessar verdadeiramente sobre o cliente (i.e. não apenas para “conquistá-lo), fazer perguntas sobre suas ações, seus pensamentos (e.g. regras) e sobre seus sentimentos, não são meios para estabelecer as bases para a intervenção, elas são intervenções.
As características de Telma (e.g. descrever o que está de “errado” na vida das pessoas), somadas à uma compreensão apressada da Análise Comportamental Clínica (e.g. foco na intervenção sobre comportamentos “inadequados”) podem gerar uma atuação com uma Análise Funcional inadequada (i.e. compreensão parcial da dificuldade do indivíduo), consequentemente, gerando objetivos terapêuticos e intervenções restritas (e.g. foco em topografias pontuais com técnicas específicas).
A supervisora Sara parece ter percebido o padrão comportamental de sua colega. Sara reconhecia em Telma o cuidado teórico e técnico, seu estudo do caso, seu afinco em acertar e produzir resultados. A dificuldade de Telma não envolvia ausência de conhecimento SOBRE terapia, mas sim pouco de COMO fazer terapia. O que Sara poderia fazer? Dizer o que Telma estava errando? Mas não seria exatamente tal padrão que deveria ser enfraquecido? Como Sara poderia enfraquecer o padrão de “dar solução”, “dando solução” para Telma? Não seria paradoxal desejar enfraquecer um padrão, usando o padrão como estratégia de ensino? Sara pôde ajudar a Telma a experimentar o que Carla precisaria experimentar com sua terapeuta apenas apresentando modelo, na própria relação supervisora-supervisionada.
Muitas perguntas surgem: o que leva dizer que Telma nunca esteve tão próxima de encontrar a “real solução” para seu problema e de Carla? O que leva a afirmação que escutar, acolher e fazer perguntas são melhores atuações do que “dar a solução”? Novas reflexões (e por que não, novas provocações) em breve no presente canal. Até!
Referências Bibliográficas
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando relações terapêuticas e curativas. Santo André: ESETec.
Silvares, E. F. M.; Gongora, M. A. N. (1998). Psicologia clínica comportamental: a inserção da entrevista com adultos e crianças. São Paulo: EDICON.