Um ponto que sempre me inquietou enquanto psicóloga escolar é o fato de que há muitos textos falando de como fazer análise funcional, especificamente para o comportamento dos alunos (por exemplo, Martins, 2009; Camacho e Vila, 2009), mas não encontrava literatura falando sobre a análise do comportamento do próprio psicólogo (apesar de o comportamento do psicólogo propavelmente fazer parte de muitas análises funcionais dos comportamentos dos alunos). Sempre tive a sensação de desconhecer as consequências do trabalho do psicólogo escolar e mais especificamente das ações do psicólogo escolar na literatura da área. De fato, se observarmos os livros de psicologia escolar, muito se fala do que esse profissional deve ou não deve fazer, mas pouco se fala das consequências dessas ações.
Até que, em uma pesquisa na internet, encontrei uma dissertação de mestrado intitulada “Características dos comportamentos profissionais de psicólogos que atuam em organizações escolares na região da Grande Florianópolis- SC”, produzida por Fernandes (2007), a qual trata dessas consequências. Na pesquisa, a autora fez a pergunta: “Quais são as características de comportamentos profissionais de psicólogos que atuam em organizações escolares?” e, para responde-la, analisou o comportamento de dez psicólogos que trabalham na educação básica, por meio dos seus relatos verbais sobre suas práticas.
A referida pesquisadora analisou várias classes de comportamento dos psicólogos escolares e observou que, para a grande maioria das respostas emitidas pelos profissionais, não havia identificação de consequências. Por exemplo, ao analisar a situação em que pais de crianças solicitam avaliação psicológica para o avanço de séries (antecedente), uma das psicólogas da escola emitiu várias respostas, como observar a criança em sala, avaliar o desenvolvimento da criança e a dinâmica de interações, no entanto, não foi identificada nenhuma consequência para tais comportamentos. Obviamente, o fato de não terem sido identificadas não significam que não existem, mas, como a própria pesquisadora relatou “a ausência de relato sobre as consequências do processo sugere que as mesmas não são percebidas em suas relações de contingência” (Fernandes, 2007, p. 35).
Ainda sobre a ausência de consequências relatadas nas ações, a pesquisadora afirma ainda que os psicólogos não estão habituados a observar os resultados de suas intervenções, que às vezes as atividades são realizadas pelas atividades. Diz ainda que existe pouca clareza em relação ao que é feito e em alguns casos existe uma desresponsabilização pelos próprios atos do psicólogo, como quando ele afirma que só há consequência QUANDO os pais ou QUANDO os professores seguem suas orientações.
Às vezes ocorre também o fato de os psicólogos relatarem consequências muito distantes da ação e pouco claras (ex: os alunos melhoraram ao final do encontro), o que demonstra uma insensibilidade às consequências intermediárias do comportamento (Fernandes, 2007). A autora afirma que essa falta de sensibilidade ao registro das consequências poderia ocorrer devido a dois fatores: ritmo acelerado de trabalho e formação profissional que não oferece base para análise dos resultados do trabalho.
Não obstante, em algumas consequências relatadas pelos profissionais na pesquisa mostram que muitas das suas intervenções apresentam resultados eficazes. Além disso, quase todas as ações analisadas pela pesquisadora mostraram que há uma relação efetiva entre Sd (demandas pesadas pela escola) e respostas emitidas pelo psicólogo, mostrando que os profissionais estão sensíveis às demandas passadas e que demonstram conhecimento sobre COMO resolver tais situações.
A dissertação relatada também traz outros aspectos importantes do comportamento do psicólogo escolar que, certamente, trarei para apreciação em outros textos. De qualquer forma, considero uma leitura fundamental para quem trabalha na área, que pode mudar a forma de ver alguns pontos da atuação profissional. O fato é que, após a leitura desse texto, passei a ficar mais sensível às consequências dos meus comportamentos enquanto psicóloga escolar e pude constatar que eu, mesmo com a formação em análise do comportamento e com experiência nessa área há alguns anos, me deparei com a realidade de que eu não havia registrado a consequências de quase nenhuma das minhas ações enquanto psicóloga escolar. Então, tentei modificar essa prática.
Primeiramente, fui pesquisar sobre resultados do trabalho do psicólogo escolar e encontrei pouquíssima referência em português. Depois, criei um formulário de registro diferente, que contemplasse os antecedentes e as consequências a curto, médio e longo prazo e das minhas ações. Nesse momento, tive a primeira constatação: fazer análise funcional da sua prática é trabalhoso e toma muito tempo, pois a prática do psicólogo escolar é bastante dinâmica e, por ser inserida em uma organização, bastante complexa. Tive, então, que selecionar para quais práticas eu iria fazer essa análise, e resolvi escolher, para começar, as práticas de participação em reuniões de colegiado com os professores e trabalhos em grupos específicos com os alunos e trabalhos com alunos e professores voltados às queixas escolares.
Já estou há alguns meses coletando dados, mas ainda não são suficientes para uma análise mais ampla. O que tenho percebido, de forma geral, é que, ao ficar mais sensível às consequências das minhas ações, tenho apresentado alguns dados de resultados para os professores e equipe pedagógica, que também está se tornando mais sensível a essas consequências.
Um exemplo do que relatei acima: constatei que, em uma reunião de equipe, formamos uma comissão para trabalhar o nivelamento de conteúdos de alunos que estavam entrando na escola e que, após um mês essa comissão não havia feito nada (ou seja, não havia consequências). Apresentei isso em outra reunião para os professores, que se mostraram preocupados e motivados para operacionalizarmos esse processo, o qual foi feito depois em equipe e resultou em uma ação que mobilizou a escola toda.
Apesar de ainda estar “engatinhando” nesse processo, pude observar que, tanto quando falamos na literatura já produzida, quanto observamos na comunidade acadêmica, a prática do psicólogo escolar não tem sido suficientemente sistematizada. Penso que nós, enquanto analistas do comportamento, temos todas as ferramentas para a sua operacionalização, não obstante, devemos começar analisando nosso próprio comportamento. Para tanto, existe uma ferramenta já conhecida por sua eficácia: a análise funcional do comportamento.
Referências Bibliográficas
Martins, S. A. (2009). Análise funcional: uma alternativa ao diagnóstico tradicional no contexto escolar. Trabalho de Conclusão de Curso de Psicologia da UNICEUB. Brasília. Disponível em: http://www.repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/2619/2/20361097.pdf
Camacho, A., & Vila, E. M. (2009). Levantamento de variáveis antecedentes e consequentes que favoreceram a aprendizagem e a manutenção de dificuldades interpessoais em universitários. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde, 30(1), 47-66.
Fernandes, C. S. (2007). Características dos comportamentos profissionais de psicólogos que atuam em organizações escolares na região da Grande Florianópolis/SC (Doctoral dissertation, Universidade Federal de Santa Catarina).