Aprendemos a falar a fim de que sejamos ouvidos, entendidos e compreendidos. Falamos sobre objetos, sobre outrem e o que eles fazem, sobre o que nos disseram, sobre o que estamos dizendo e até mesmo sobre o que gostaríamos de dizer ou o que temos probabilidade de dizer no futuro. Aprendemos a falar dos nossos pensamentos e também aprendemos a falar como nos sentimos (Skinner, 1957; 1974).
Comportamentos privados são comportamentos como quaisquer outros. A única característica que diferencia essa instância de comportamento é a acessibilidade: “um evento privado pode ser distinguido apenas por sua acessibilidade limitada, mas não por uma estrutura ou natureza especial, até onde sabemos” (Skinner, 1953, p. 257). Estão no mundo interno do organismo, o mundo sob a pele (Skinner, 1974).
Que um falante aprenda a falar sobre o que pensa e o que sente tem implicações práticas muito importantes para a comunidade verbal. Aquilo que é pensado e sentido pode dar pistas sobre as contingências de reforçamento em que o falante está inserido e o ouvinte infere, então, as variáveis das quais o comportamento do falante pode ser função. Tal fato se exemplifica quando um falante diz ao médico ou a um psicoterapeuta como se sente e o profissional, a partir disso, consegue tomar as atitudes necessárias para que um sofrimento em demasia se reduza em magnitude.
Quem arranja as contingências especiais sob as quais alguém diz o que está pensando ou sentindo é a comunidade verbal que cerca esse alguém (Skinner, 1953; 1957; 1974; 1990). Entretanto, tal mundo privado apresenta, para a Análise do Comportamento, tanto o problema da acessibilidade, uma vez que só o falante tem acesso àquilo que ocorre sob sua pele como o problema da garantia de que o falante está dizendo a verdade sobre o que pensa e o que sente (Skinner, 1953; 1957; 1959; 1974).
Podemos falar sobre coisas que não temos certeza e muitas confissões de eventos ditos socialmente graves podem ser obtidas alterando operações estabelecedoras, colocando o organismo sob controle de contingências coercitivas, tanto na forma verbal, como uma ameaça, como na forma não verbal, em que um ato realmente vá infringir danos físicos ao organismo, como a tortura.
A moral e a ética dessas práticas não serão discutidas pelo simples fato de que não atendem ao objetivo do texto. Entretanto, a comunidade verbal pode estabelecer meios de “reduzir” o problema da acessibilidade e da garantia de que o falante esteja falando a verdade sobre seus sentimentos tentando se colocar sob controle dos “mesmos” estímulos que o falante, embora tal método não seja confiável pelo simples fato de que “eventos privados e públicos podem não estar perfeitamente correlacionados” (Skinner, 1953, p. 259).
Desde o Science and Human Behavior, Skinner aponta meios dos ouvintes conseguirem ter acesso a comportamentos que são só diretamente acessíveis aos próprios falantes. Em outras palavras, Skinner aponta maneiras da comunidade verbal gerar verbalizações e/ou “saber melhor” o que o falante está dizendo sobre eventos que ocorrem em seu mundo sob a pele (Skinner, 1974); entretanto, no presente texto, dar-se-á mais importância às alternativas apresentadas pelo autor no livro Verbal Behavior (1957) e no artigo The Operational Anlaysis of Psychological Terms (publicado no Cumulative Record, 1959)
Na obra de 1957, Skinner aponta, como primeira alternativa da comunidade verbal, que um evento público que acompanha o estímulo privado pode dar pistas à comunidade verbal que um evento privado está ocorrendo e o autor mantém essa alternativa em sua obra de 1959, exemplificando que muitas vezes a comunidade verbal ensina uma criança a dizer que “isso dói” em função de um rompimento de tecido evidente, como um corte que está sangrando.
O autor também aponta, tanto no Verbal Behavior (1957) como no The Operational Analysis of Pyschological Terms (1959) que outra alternativa para gerar uma verbalização sob controle de estímulos privados é atentar para uma resposta colateral que acompanha o estímulo privado, como grunhir de dor em um determinado espaçamento de tempo, levar a mão ao lugar em que está doendo, etc.; E, de acordo com o histórico de reforçamento numa contingência semelhante a essa, que fez com que tais respostas colaterais fossem apresentadas, o indivíduo passa a verbalizar sobre eventos privados com base nessas respostas colaterais que acompanham esses eventos encobertos.
Skinner (1957) infere, como outra alternativa, que “a comunidade não pode precisar apelar para um estímulo interno de forma alguma” (p. 132). Uma história prévia de eventos não verbais públicos pode fazer com que verbalizações sobre um evento privado sejam geradas. Quando, por exemplo, uma criança diz que a boca está formigando como seu pé dormente quando toma refrigerante pela primeira vez ou quando diz que está sentindo uma “agulhada na cabeça”, como uma extensão metafórica de um evento não verbal público de ser espetado com uma agulha, ilustram a inferência de Skinner.
A terceira alternativa apontada por Skinner, no texto de 1959, contempla que algumas respostas a estímulos privados são descritivas do próprio comportamento do falante. E, quando essas respostas são públicas, a comunidade pode reforçar o comportamento de emiti-las com base nessas manifestações públicas evidentes; entretanto, o falante está, geralmente, sob controle de estimulação proprioceptiva, que não é diretamente acessível à comunidade que provê consequências às respostas do falante.
Em função da complexidade da alternativa apontada no parágrafo anterior, Skinner (1959) questiona como poderíamos explicar o vocabulário que lida com o mundo sob a pele. Assim, o autor aponta três possibilidades: 1) a resposta ao estímulo privado é feita com base na manifestação de uma resposta pública; 2) o evento privado pode ser similar, embora menos intenso, à resposta pública, possivelmente por estarem sob controle do mesmo estímulo; e 3) a resposta pode ser emitida na presença de um estímulo privado, sem acompanhamento público algum, em função de ter sido reforçada, ocasionalmente, na presença do mesmo estímulo quando houve eventos públicos acompanhando, evidenciando o processo de indução de estímulo.
Como última alternativa no artigo de 1959, Skinner aponta que essa seria advinda do princípio de indução de estímulo (Skinner, 1953) em que uma resposta privada fosse mantida por reforçamento público. Essa indução não é “perfeita” como na alternativa explanada anteriormente, mas seria, ainda assim, reforçada com base em propriedades de estímulo coincidentes.
A quarta alternativa do texto de 1957 é, grosso modo, a mesma inferência que Skinner faz como terceira alternativa no texto de 1959: quando a verbalização descreve o próprio comportamento do falante, há possibilidade de que um estímulo privado controle essa resposta verbal. A contingência pode estar baseada em comportamentos públicos observáveis mesmo que estimulando o falante e a comunidade verbal que o cerca de formas diferentes, como quando o comportamento público é r
eduzido em magnitude de tal forma que não é mais acessível à comunidade e, ainda assim, a estimulação privada se mantém.
Skinner (1957) aponta que essas inferências, apresentadas na quarta alternativa, podem ser só uma extensão da primeira alternativa apresentada no Verbal Behavior. No entanto, quando o objeto descrito é o próprio comportamento, uma redução em magnitude pode afetar manifestações públicas e privadas de maneiras distintas, uma vez que a comunidade já não terá mais acesso às manifestações que tinha outrora.
Embora haja essas alternativas, Skinner (1957) aponta que nenhuma delas garante a precisão do controle em resposta a estímulos externos manipuláveis. Além disso, como foi apontado no início do texto, ainda não há uma forma muito consistente de a comunidade verbal afirmar que o falante não está mentindo, uma vez que se pode fingir uma resposta colateral dizendo “ai”, colocando as mãos nas têmporas, completando a verbalização com “estou com dor de cabeça”.
O presente texto tem como função clarificar, de maneira breve e até mesmo superficial, o modo como se fala, se sente e como se fala sobre o quê se sente, da mesma forma como fazer um breve comparativo entre duas obras de Skinner sobre o modo como a comunidade verbal pode tentar gerar respostas verbais sobre estímulos privados num falante, aos quais não possui acesso direto.
Referências
Skinner, B. F. (1953) Science and Human Behavior. New York: Free Press.
Skinner, B. F. (1957) Verbal Behavior. Cambridge: Copley Publishing Group.
Skinner, B. F. (1959) The Operational Anlaysis of Psychological Terms in Cumulative Record – Definitive Edition. Cambridge: Copley Publishing Group.
Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books.
Skinner, B. F. (1990) Questões Recentes na Análise Comportamental. 5 ed. Campinas: Papirus Editora.