Algumas Considerações Sobre a Visão Skinneriana de Self

As atribuições do comportamento a causas internas soam poéticas e românticas, convencem muito bem àqueles que se interessam por explicações rápidas e satisfazem a maioria das pessoas que precisam entender o “motivo” de agirem de determinadas formas em dadas situações. Entre essas causas internas poderíamos citar as gestaltens das abordagens existenciais-humanistas, o inconsciente, o id, o ego e o superego freudianos e também o self.

Atribuir causas internas ao comportamento diminui a ansiedade das pessoas com relação a fenômenos que pareçam inexplicáveis ou que ainda não têm uma explicação plausível ou satisfatória a quem se comporta (Skinner, 1953). Na concepção skinneriana de self no livro Science and Human Behavior de 1953, tal “estrutura interna” teria a característica de causar comportamentos quando as variáveis das quais um comportamento é função não são conhecidas ou são ignoradas.

Independente do que o self seja, para Skinner (1953; 1974), ele não parece ter a mesma natureza do organismo físico. Uma pessoa age no mundo e é dito que ela faz isso em função de seu eu interior, pois é ele que inicia e direciona um comportamento à obtenção de reforçamento. Muitas vezes, mais de um self é utilizado para explicar o porquê uma pessoa se comporta. O mesmo acontece com a personalidade.

Se uma pessoa se comporta de forma dita chamativa ou parece estranha, o faz porque tem uma personalidade histriônica, como a cantora Lady Gaga e o cantor Marylin Manson. Caso possua um superego bem estabelecido, acarreta que a pessoa tem uma personalidade predominantemente neurótica, o que os psicanalistas esperam que a maioria das pessoas sejam. Por essas razões, Skinner (1953) aponta que, numa análise do comportamento, não seria necessário o conceito de self. Mas não dar uma explicação do que seria esse fenômeno do ponto de vista comportamental, deixaria a teoria em dívida com relação a outras teorias da Psicologia.

Skinner, então, conceitua self como um “sistema de respostas funcionalmente unificado” (1953, p. 285). O autor dá uma explicação alternativa a esse conceito pautado nos preceitos de uma ciência natural e, então, infere que self estaria relacionado a modos de agir enquanto que personalidades estariam relacionadas a ocasiões. Em outras palavras, o self estaria associado aos comportamentos emitidos pelo indivíduo enquanto que sua personalidade seria determinada pela estimulação antecedente que faria a resposta a ser emitida.

Dessa forma, “contingências diferentes criam pessoas diferentes na mesma pele” (Skinner, 1974, p. 185) e isso explicaria o porquê uma pessoa se comporta de uma determinada forma numa determinada comunidade verbal e de outra forma numa comunidade verbal distinta. Por exemplo, porque um indivíduo se comporta de uma forma quando está no contexto familiar e de outra forma quando inserida num contexto profissional.

Esse entendimento de self implicaria que procurar por consistências e integridades funcionais em aspectos da personalidade seria contraproducente. Além disso, implicaria que não precisamos atribuir diferentes eus a um organismo que se comporta se entendermos as contingências de reforçamento em que ele está inserido. Uma pessoa pode ter seu comportamento de ingerir bebidas alcoólicas reforçado num grupo de amigos, mas não numa reunião familiar em que os membros desse grupo sejam conservadores. Ao contrário, pode ter seu comportamento punido. E não é por isso que essa pessoa possui duas personalidades diferentes; tudo depende das audiências serem positivamente reforçadoras ou não (Skinner, 1957). O que entra em vigor nesse caso, mais uma vez, é a contingência de reforçamento, as variáveis das quais um comportamento é função (Skinner, 1953; 1974).

As pessoas apresentam repertórios comportamentais diferentes em circunstâncias diferentes. Muitos desses repertórios são controlados por contingências sociais, sendo assim, as concepções skinnerianas (1953, 1974; 1990), contemplam que o self é construído socialmente. E, por ser construído na interação com o outro, o self poderia ser controlado verbalmente, como evidenciam as terapias comportamentais de terceira onda como a Terapia de Aceitação e Compromisso (Saban, 2011) e a Psicoterapia Analítica Funcional (Kohlenberg & Tsai, 2006).

Muito do que sabemos de nós mesmos, muito do que sabemos do outro e das coisas que nos cercam, só sabemos porque a comunidade verbal em que estamos inseridos arranjou contingências para que soubéssemos nomear e descrever cada um desses fenômenos (Skinner, 1957; 1974; Catania, 1999; Hübner, Borloti, Almeida & Cruvinel, 2012). Só dizemos como nos sentimos, o que pensamos e o nome das coisas a nossa volta porque nossa comunidade verbal arranjou contingências e consequenciou nossas verbalizações de acordo com aquilo que seria produtivo para a sobrevivência da própria comunidade verbal (Skinner, 1957; Abreu & Hübner, 2012).

“Sou do sexo masculino, tenho 39 anos, trabalho como engenheiro civil e me chamo João” é uma descrição de quem a pessoa é e do que ela faz. Tatear, nomear e descrever aspectos internos e externos que nos competem, expressar as relações funcionais de considerado homem, ter um nome, ter uma determinada idade e uma dada profissão são relações verbais ocasionadas e reforçadas por contingências sociais.

Uma vez que o self é uma construção social e que o comportamento social depende de outros para ocorrer e ser consequenciado, poderíamos dizer que, por só sabermos descrever quem somos e como nos comportamos em função de uma comunidade verbal, há uma evidência de que o self pode ser, portanto, controlado verbalmente. E isso não nos dá necessidade de explicar determinados comportamentos dividindo-os em diversos selves e/ou personalidades.

Tanto o comportamento verbal como o self, segundo os preceitos da teoria skinneriana, são classes de comportamentos que só existem em função de contingências socioculturais que entram em vigor na determinação do comportamento (Skinner, 1981). No momento em que Skinner (1953) aponta que o self seria a causa de comportamentos quando o indivíduo que se comporta não conhece as variáveis das quais seu comportamento é função, pode-se inferir que causas são atribuídas a uma estrutura interna quando o indivíduo não tem a capacidade de descrever as variáveis que estão controlando seu comportamento, corroborando, assim, o controle verbal exercido sobre o self.

A personalidade também tem pontos em comum com o conceito de self por depender também, como todo e qualquer comportamento humano, dos três níveis de seleção do comportamento apontados por Skinner (1981). Desse modo, podemos citar a importância dos aspectos de personalidade herdados geneticamente, dos aspectos aprendidos durante a história individual e dos aspectos aprendidos em convivência social, com a comunidade verbal (Lundin, 1977; Banaco, Vermes, Zamignani, Martani & Kovac, 2012), que adentraria especificamente o self. A personalidade poderia, então, ser descrita e avaliada com base em padrões comportamentais regulares, sensíveis aos paradigmas de condicionamento respondente e operante, contemplados pelos fenômenos comportamentais de reforçamento, punição e extinção, sem esquecer jamais da singularidade do indivíduo, que é incontestável na visão da ciência (Skinner, 1959).

A compreensão skinneriana de que o self é construído em função de contingências ontogenéticas e culturais nos permite entender que uma pessoa pode ser quem ela é, de acordo com as contingências de reforçamento em que ela está inserida e em função da comunidade verbal com quem convive. Entender quem somos, estar sensíveis às consequências de nossas ações e saber descrever como nos comportamos é atender à afirmação de Skinner de que “a aquisição mais nobre da qual o homem pode aspirar (…) é aceitar ele mesmo pelo que ele é” (1961, p. 17).

Referências

Abreu, P. R.; Hübner, M. M. C. (2012) O comportamento verbal para B. F. Skinner e para S. C. Hayes: uma síntese com base na mediação social arbitrária do reforçamento. Acta Comportamentalia, Guadalajara, v. 20, n. 3, p. 367-381.

Banaco, R. A.; Vermes, J. S.; Zamignani, D. R.; Martone, R. C.; Kovac, R. (2012) Personalidade. In Hübner, M. M. C.; Moreira, M. B. Temas Clássicos da Psicologia sob a ótica da Análise do Comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.

Catania, A. C. (1999) Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição. Porto Alegre: Artmed.

Hübner, M. M. C.; Borloti, E.; Almeida, P.; Cruvinel, A. C. (2012) Linguagem. In Hübner, M. M. C.; Moreira, M. B. Temas Clássicos da Psicologia sob a ótica da Análise do Comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.

Kohlenberg, R. J.; Tsai, M. (2006) FAP: Psicoterapia Analítica Funcional – Criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André: ESETec Editores Associados.

Lundin, R. W. (1977) Personalidade: Uma análise do comportamento. São Paulo: E. P. U.

Saban, M. T. (2011) Introdução à Terapia de Aceitação e Compromisso. Santo André: ESETec Editores Associados.

Skinner, B. F. (1953) Science and Human Behavior. New York: The Free Press.

Skinner, B. F. (1957) Verbal Behavior. Cambridge: B. F. Skinner Foundation.

Skinner, B. F. (1961) Cumulative Record: Enlarged Edition. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books.

Skinner. B. F. (1981) Selection by Consequences. Science, v. 213, n. 4507, pp. 501-504.

Skinner, B. F. (1990) Questões Recentes na Análise Comportamental. 5 ed. Campinas: Papirus Editora.

0 0 votes
Article Rating

Escrito por Renan Miguel Albanezi

Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário Cesumar (UniCesumar), especialista em Análise do Comportamento e Psicoterapia Cognitivo-Comportamental pelo Núcleo de Educação Continuada do Paraná (NECPAR) e em Terapia Comportamental pela Universidade de São Paulo (USP). Tem como principais áreas de estudo o Behaviorismo Radical e a Análise do Comportamento com interesse em comportamento verbal, agências controladoras do comportamento, psicoterapia comportamental e psicoterapia analítica funcional.

Como aprendemos a relatar o que sentimos?

Autismo: A alteração sensorial e as estereotipias