Não se trata de um pedido de namoro ou casamento, no entanto, não deixa de ser um convite ao estabelecimento de uma relação real e íntima. Mesmo não se referindo a um contexto romântico, propõe uma aliança. Tal aliança terapêutica consiste na criação de um vínculo de confiança e proximidade, capaz de permitir que ambos agentes da relação estejam intensamente envolvidos em seus encontros.
Na díade terapeuta e cliente a pergunta “Você aceita se relacionar comigo?” não é unilateral – partindo do terapeuta em direção ao cliente – uma vez que deve ser respondida tanto pelo primeiro, quanto pelo segundo. Cabe aos dois aceitar ou não esse convite, tendo em vista que o processo que vivenciarão juntos exige um compromisso genuíno com o outro, no qual sentimentos e dificuldades do cliente serão compartilhados, bem como os sentimentos e o repertório pessoal do terapeuta estarão implicados na intervenção.
Dizer “sim” a essa questão, a princípio, pode parecer simples e até mesmo óbvio, afinal o cliente está ali procurando ajuda, provavelmente passando por algum sofrimento significativo em sua vida, enquanto que o terapeuta escolheu tal profissão justamente com o intuito de ajudar as pessoas que o buscam. Contudo, tal resposta não é inerente ao processo terapêutico, pelo menos não no sentido de se focar tal relação como o próprio instrumento de mudança.
A Análise Comportamental Clínica passou a se dedicar à relação terapêutica a partir da década de 1970 com os estudos de Fester, que apontaram que os comportamentos problema do cliente tenderiam a também aparecer no contexto clínico, de modo que o terapeuta poderia utilizar suas reações para modelar o comportamento dos clientes. Na década de 1990, Kohlenberg e Tsai apresentam a Psicoterapia Analítico Funcional (FAP), direcionando mais especificamente o processo terapêutico para a interação entre o terapeuta e o cliente (Alves & Isidro-Marinho, 2010).
Nesse sentido, a partir dos pressupostos da Análise do Comportamento, a FAP entende que os comportamentos-alvo de intervenção que ocorrem no ambiente natural do cliente, ocorrem de forma funcionalmente semelhante na sessão, assim como os comportamentos de melhora que são desenvolvidos no setting terapêutico são passíveis de generalização para o contexto extra-consultório do cliente. Tais comportamentos são entendidos como Comportamentos Clinicamente Relevantes (CRB) e são classificados como CRB1 quando se referem aos comportamentos-problemas, CRB2 quando dizem respeito às melhoras do cliente e CRB3 que consistem em análises funcionais feitas pelo cliente a respeito de seus próprios comportamentos (Alves & Isidro-Marinho, 2010).
A partir da minha experiência como terapeuta iniciante pude notar a significativa diferença entre incluir a análise da relação terapêutica e não fazê-la ou fazê-la de um modo superficial. Depois de um período considerável de psicoterapia, quando passamos a considerar os nossos sentimentos em relação à cliente, tanto eu, quanto o outro terapeuta responsável pelo caso, percebemos que não nos sentíamos próximos da cliente e que a maneira como ela se comportava produzia esse distanciamento.
Até então, estávamos envolvidos apenas com o seu relato sobre os comportamentos que emitia em seu ambiente natural e não ficávamos atentos aos CRB1 que aconteciam na sessão. Zaro et al (1980) salientam que essa é uma dificuldade comum entre os terapeutas principiantes, em especial pelo fato de que o conteúdo externo trazido pelo cliente, além de ser um material importante para a análise funcional, é também mais seguro para ser trabalhado pelo terapeuta.
Entrar em contato com o aqui e agora da sessão é acima de tudo um desafio, afinal, não se tem acesso a uma metáfora do comportamento problema, mas sim ao comportamento real, que provavelmente resultará em sentimentos desconfortáveis para o terapeuta e em alguns casos, também para o cliente. Exige-se que o terapeuta reconheça seus comportamentos privados e os exponha de forma adequada, no momento oportuno para o cliente.
O cliente, por sua vez, será desafiado tanto a lidar com as consequências de seus CRBs, quanto a aprender se comportar de forma diferente, apresentando melhoras (CRB2), generalizando-as e descrevendo tal processo (CRB3). Isso indica o longo caminho a ser percorrido, sendo que essa viagem possivelmente não se dará de modo gratuito, exigindo por vezes mudanças difíceis de serem realizadas e que poderão envolver os mais diversos sentimentos.
Fica claro, dessa maneira, o quanto a implicação da relação terapêutica no processo exige de seus participantes. Não são todos os terapeutas que se dedicarão a essa jornada, assim como não serão todos os clientes que participarão e se beneficiarão dessa alternativa de intervenção. Para aqueles que dizem “não” à questão apresentada anteriormente, certamente existem resultados outros que podem ser bastante satisfatórios de acordo com as suas demandas.
Em contrapartida, para aqueles que realmente aceitam e respondem “sim” ao convite de focarem e fortalecerem a relação terapêutica, certamente estarão envolvidos em um exercício constante e intenso de Amor, Coragem, Consciência e Behaviorismo. Termos empregados pelos autores da FAP e que de um modo menos técnico, traduzem o que a mesma proporciona e requer daqueles que se disponibilizam a incluí-la em suas práticas.
Ainda a respeito da cliente que mencionei acima, dizer a ela sobre o impacto de seus comportamentos em nós não foi uma tarefa fácil, dizer que não conseguíamos cuidar dela foi, de fato, uma experiência delicada, contudo, naquela sessão nos aproximamos dela como nunca tínhamos feito antes. Tal tipo de intervenção é apenas um dos muitos passos que devem ser dados na direção de uma terapia que se proponha a utilizar a FAP. Todavia, representa uma resposta afirmativa tanto dos terapeutas, quanto da cliente, que começava a se permitir receber cuidado proveniente da interação terapêutica.
Para os psicólogos clínicos que aceitam a relação terapêutica à luz da Psicoterapia Analítica Funcional há ainda a constante necessidade de ampliar a aceitação desse convite para além da teoria, buscando alternativas que promovam um encontro pessoal e nos coloquem em contato com nossas próprias facilidades e fragilidades. Pois é por meio dessa vivência real e significativa consigo que poderemos estar inteiros para o outro que também diz “sim” para o reconhecimento de uma relação humana especial e como os próprios autores da FAP descrevem, curativa.
Referências bibliográficas
Alves, N. N. F.; Isidro-Marinho, G. (2010). Relação terapêutica sob a perspectiva da Análise do Comportamento. In.: De Farias, A. C. K. R. et al. Análise Comportamental Clínica: aspectos teóricos e estudos de caso. Porto Alegre: Artmed.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando relações terapêuticas e curativas. Santo André: ESETec.
Wielenska, R. C. (2012). O papel da relação terapeuta-cliente para a adesão ao tratamento e à mudança comportamental In.: Borges, N. B.: Cassas, F, A. Clínica Analítico Comportamental: aspectos teóricos e práticos. Porto Alegre: Artmed.
Zaro, J. S., Barach, R., Nedelman, D. J. & Dreiblatt, I. S. (1980). Introdução à Prática Psicoterapêutica. São Paulo: EPU.