O papel e o produto do controle em nossa sociedade: afinal, quem são as pessoas que frequentam a psicoterapia?

Segundo Skinner (1953/2007), vivemos em uma sociedade em que nosso comportamento é classificado como “bom” ou “mau”, e a partir disso é punido ou reforçado. O grupo, enquanto unidade da cultura, exerce um controle ético sobre cada um de seus membros através, principalmente de seu poder de reforçar ou punir e do número e da importância de outras pessoas na vida de cada membro. Porém, este tipo de classificação pode ser deficiente, devido a uma falha de estrutura de grupo: todos os membros podem não participar na mesma medida. Isso significa que nem todos tem a mesma chance de “fazer parte” do grupo controlador, o que provoca alguns tipos de práticas culturais, como a discriminação. São vários os exemplos de grupos discriminados e marginalizados em nossa sociedade: pessoas de baixa renda, negros, homossexuais, deficientes físicos.

“Para uma seleção justa, todos terão que realizar o mesmo teste: por favor escalem aquela árvore”

Como já abordado no texto “Habilidades Sociais e Síndrome de Down: Estigmas envolvidos nesta relação”, vivemos em uma sociedade muito avançada tecnologicamente e as facilidades que compõe nosso dia-a-dia são incontáveis. Contraditoriamente, ao mesmo tempo, convivemos com estigmas e estereótipos que envolvem estes grupos. Se pensarmos no caso da deficiência, por exemplo, estes estigmas e rótulos foram construídos socialmente desde a antigüidade, em que as crianças deficientes eram abandonadas ao relento (Aranha, 1995; Casarin, 1999; Pessoti, 1984; Schwartzman, 1999 citado por Silva & Dessen, 2001). Esta atitude estava relacionada com os ideais morais da sociedade da época, em que a eugenia e a perfeição do indivíduo eram extremamente valorizadas. Na época, segundo Pessotti, crianças deficientes físicas ou mentais eram consideradas sub-humanas, e isso validava sua eliminação ou abandono.

Na Idade Média, a deficiência era entendida como um fenômeno metafísico e espiritual devido à influência da Igreja, então era considerada uma questão “divina” ou “demoníaca” e esta concepção, de certa forma, conduzia o modo de tratamento das pessoas deficientes. Porém, com a influência da doutrina cristã, os deficientes começaram a ser vistos como possuindo uma alma e, portanto, eram filhos de Deus. Desta forma, não eram mais abandonados, mas, sim, acolhidos por instituições de caridade (Silva & Dessen, 2001).

Como fica claro, certas agências de controle manipulam conjuntos particulares de variáveis dentro do grupo. O controle religioso classifica o comportamento como “moral”, “imoral”, “virtuoso” e “pecaminoso”, reforçado ou punido de acordo e as descrições tradicionais de céu e inferno relacionam-se aos reforços positivos e negativos. Os reforçadores que envolvem o céu e o inferno podem ser mais poderosos, por exemplo, do que os que envolvem o controle governamental, a depender de quão eficientemente certos reforçadores verbais são condicionados (promessa de céu e ameaça de inferno). Este emparelhamento fica por conta da educação religiosa. Na prática, a ameaça de perder o céu ou ir para o inferno segue contingente ao comportamento pecaminoso, assim como o comportamento “correto” é contingente a uma promessa do céu ou alívio da ameaça do inferno (Skinner 1953/2007).

Outro tipo de agência de controle descrita por Skinner (1953/2007), talvez como a mais evidente, é o governo, que usa o poder para punir. A fonte do poder de punição determina a composição da agência no sentido mais estrito, adotando distinções como “legal” e “ilegal”, dando ênfase sobre o “errado”. Assim, o governo usa seu poder para “manter a paz”, restringindo comportamentos que ameaçam a propriedade e as pessoas de outros membros do grupo. Apesar de poder fortalecer o comportamento “legal”, a técnica mais comum nesta agência de controle é simplesmente punir as formas ilegais do comportamento (Skinner 1953/2007).

Já em relação ao controle econômico, como outra agência, há o uso do reforço positivo por meio da apresentação de “bens de riqueza”. Isso inclui o uso de reforçadores condicionados generalizados como o dinheiro e o crédito, em diferentes esquemas de remuneração (razão fixa, intervalo-fixo, combinados e variáveis). Porém, como nos outros tipos de controle, o poder econômico pode ser usado para favorecer interesses pessoais daqueles que o possuem (Skinner 1953/2007).

“A educação é o estabelecimento de comportamentos que serão vantajosos para o indivíduo e para outros em algum tempo futuro”, e para isso, os reforços serão arranjados pela agência educacional com propósitos de ensino. Enquanto o controle religioso, governamental e econômico preocupa-se em tornar mais prováveis certos tipos de comportamentos, o reforço educacional simplesmente faz certas formas prováveis em determinadas circunstâncias ao preparar o individuo para situações que ainda não aconteceram. Os reforçadores utilizados consistem em boas notas, diplomas e medalhas, associados com o reforçador generalizado da aprovação. Já o papel da punição no controle educacional é por violências disciplinadoras. Podemos entendê-las como punições negativas, que dão margem para o papel dos reforçadores mencionados serem usados na forma de ameaça de reprovação ou expulsão (Skinner 1953/2007).

Entretanto, certos subprodutos do controle exercido pelo grupo e pelas agências aqui descritas não resultam em vantagem para o controlador e muitas vezes são prejudiciais tanto para o indivíduo quanto para o grupo, principalmente quando o controle é excessivo ou inconsistente. Skinner (1953/2007) descreve esses subprodutos como a fuga, a revolta e a resistência passiva. Os subprodutos do controle que incapacitam o indivíduo ou que são perigosos para ele ou para os outros constituem o campo da psicoterapia.

Segundo Skinner (1953/2007), o comportamento inconveniente para o próprio indivíduo, ou para outros, geralmente requer tratamento. Ao invés de deixar este tratamento para amigos, pais, conhecidos ou representantes das agências controladoras em simples “bons conselhos”, a psicoterapia vem como agência especial que se preocupa com esse problema.

O fato de que as culturas frequentemente recorrem a controle punitivo pode ser a melhor evidência que temos de que elas têm negligenciado alternativas fortalecedoras: uma redução no controle punitivo poderia ser uma das soluções. Quando as pessoas trabalham somente para evitar perder um emprego, quando estudam somente para evitar reprovação e tratam bem umas às outras apenas para evitar censura ou punição institucional, as contingências ameaçadoras se generalizam. Parece sempre que deve haver alguma coisa que seria preciso estar fazendo (Skinner, 1986).

A partir disso, uma questão se torna crucial: as pessoas citadas no início do texto geralmente não são as pessoas que frequentam ou que tem a oportunidade de frenquentar a psicoterapia. Portanto, faz-se necessário pensar acerca de qual poderia ou deveria ser o papel do analista do comportamento em relação às pessoas que não têm acesso a terapia, com o objetivo de usar as ferramentas de mudanças que temos “em mãos” para promover mudanças efetivas, dentro e fora do consultório.

Referências

Silva, N. L. P & Dessen, M. A. (2001). Deficiência Mental e Família: Implicações para o desenvolvimento da criança. Psicologia: Teoria e Pesquisa 17 (2).

Skinner, B. F. (1986). What is wrong with daily life in the Western world? American Psychologist, 41, 568-574.

Skinner, B. F. (2003). Ciência e comportamento humano (R. Azzi & J. C. Todorov, Trads.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953)

0 0 votes
Classificação do artigo
Avatar photo

Escrito por Portal Comporte-se

O Comporte-se: Psicologia e Análise do Comportamento foi criado em 2008 e é hoje o principal portal de Análise do Comportamento do Brasil. Nele você encontra artigos discutindo temas diversos à partir do referencial teórico da abordagem; dicas de filmes, livros, periódicos e outros materiais; entrevistas exclusivas; divulgação de cursos, promoções, eventos e muito mais.

7º Encontro de Análise do Comportamento da PUC-SP – São Paulo/SP

Quando a relação junto ao cliente é aversiva