A medicina moderna conta atualmente com diversas formas de alterar a atividade cerebral para fins terapêuticos. Medicamentos são uma forma de intervenção química na atividade neural ao equilibrar a disponibilidade de neurotransmissores nas sinapses cerebrais, afetando diretamente o comportamento do paciente e amenizando sintomas de ansiedade ou depressão patológicos.
Por outro lado, existem técnicas que aplicam estímulos eletromagnéticos ao cérebro. Estes procedimentos estimulam ou inibem a atividade neural, podendo ser invasivos, em que eletrodos são introduzidos no córtex cerebral por via cirúrgica, ou não-invasivos, pelos quais o contato é feito sobre o couro cabeludo [1].
Você, provavelmente, já ouviu falar sobre a Eletroconvulsoterapia1 – a mais antiga e famosa forma de estimulação elétrica cerebral ainda utilizada na psiquiatria. No entanto, novas técnicas que utilizam campos magnéticos para modular atividade cerebral foram desenvolvidas desde então, permitindo melhores resultados e menores efeitos colaterais. Hoje, falaremos sobre uma destas técnicas, a Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) [2][3].
O que é a Estimulação Magnética Transcraniana (EMT)?
A EMT é uma técnica de estimulação cerebral não invasiva que utiliza pulsos magnéticos para induzir corrente elétrica em certas regiões do cerebro. Dependendo das características da estimulação, esta pode tanto excitar quanto inibir a atividade cerebral e os efeitos podem ser de curto ou longo prazo. No Brasil, o procedimento é aprovado pelo Conselho Federal de Medicina
2, sendo indolor e apresentando pouquíssimos efeitos colaterais [4].
Como funciona a EMT?
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Figura 1 – Esquema de aplicação da EMT Fonte: editora3 de Arte/Folhapress |
A EMT é composta por um gerador, uma bobina, um computador que configura as características dos pulsos eletromagnéticos e um sistema de navegação que permite mapear a área a ser estimulada. O gerador e a bobina irão gerar um campo magnético que ao ser liberado forma corrente elétrica que pode ser entregue à uma região do cérebro humano (Fig 1).
Duas características da estimulação são importantes para entender como a EMT funciona: a intensidade e a frequência dos pulsos eletromagnéticos. A intensidade é a quantidade de energia que é aplicada (medida em porcentagem), já a frequência é referente à quantidade de pulsos por segundo (medida em Hertz – Hz). Além disso, os pulsos podem ser divididos em: pulso único ou modo repetitivo (EMTr), em que um conjunto de pulsos é liberado em um espaço de tempo programado [1]
Os protocolos de aplicação da EMT podem variar, em termos de frequência e intensidade. Porém, sabemos que pulsos aplicados em baixas frequências (1 Hz) são inibitórios, enquanto os de alta frequência (>5Hz) excitam a atividade cerebral [1].
Pulsos únicos, geralmente, são utilizados em pesquisas sob o princípio da “lesão virtual4“, o qual pode interromper a atividade neural em uma região importante para um determinado comportamento que é foco da pesquisa. Já o modo repetitivo (EMTr) tem demonstrado grande potencial terapêutico [5].
Como é feita a aplicação?
Pulsos únicos são aplicados para encontrar o limiar motor, i. e., um pulso é aplicado em uma região do crânio que fica sobre o córtex motor
5, inicia-se a estimulação com uma intensidade fraca e, progressivamente, a intensidade é aumentada até se obter uma resposta motora (movimento da mão, dedos, pernas etc.). A intensidade que gerar o movimento será utilizada para estimular outras regiões [1].
Encontrar a energia mínima suficiente para atingir o cérebro é necessário, uma vez que os cabelos, pele, músculos e ossos do crânio agem como uma resistência, impedindo que parte do estímulo eletromagnético seja entregue ao córtex. Portanto, gerar o limiar motor significa que o pulso teve energia suficiente para atravessar as resistências e chegar ao cérebro.
Usos terapêuticos da EMTr
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Sala de aplicação da EMT para fins de pesquisa. Fonte: Laboratório de Eletrofisiologia Humana Texas University at Austin |
Por conseguir modular a atividade neuronal, os pulsos podem ser direcionados à áreas envolvidas em determinados comportamentos. Graças a estudos com pacientes que sofreram lesões cerebrais diversas, hoje possuímos experiência e conhecimento técnico que nos permite modular a atividade cerebral em regiões específicas envolvidas no comportamento do paciente. Citarei três estudos exemplares que trouxeram algumas evidências sobre o uso da EMTr sob a região chamada Córtex Pré-Frontal Dorsolateral6.
Gross (2007) analisou a evolução do uso de EMTr em casos de depressão entre diversos estudos. No total, 598 pacientes diagnosticados receberam protocolos diferenciados de estimulação (baixa e alta frequência). Os resultados demonstraram efeitos terapêuticos antidepressivos, corroborados com o relato de melhora no humor dos pacientes. Os efeitos foram ainda mais proeminentes em casos de uso conjugado da EMTr e medicação [6].
O uso de EMTr em vários tipos de Transtornos de Ansiedade foram analisados por Machado (2012), que incluiu os seguintes tipos: Transtorno Obsessivo-Compulsivo, Ansiedade Generalizada, Transtorno de Pânico, e de Stress Pós-traumático. Os resultados encontrados apontam para a diminuição geral nos sintomas de ansiedade, e em alguns casos, melhora de humor. Apesar da tendência terapêutica encontrada, os resultados não atingiram a significância estatística necessária, devido a falta de padronização dos estudos levantados as evidências são ainda inconclusivas [7].
Outra potencial aplicação de relevância social é em casos de alcoolismo. Mishra (2010) aplicou EMTr em 45 pacientes diagnosticados com dependência química de álcool, onde 15 sofreram estimulação placebo (uma bobina falsa foi posicionada, idêntica a original porém não produzindo estimulação alguma). Em comparação, o grupo que recebeu EMTr apresentou melhoras nos sintomas de fissura7, já o grupo placebo não apresentou mudança no quadro de sintomas [8].
EMTr em poucas palavras
A EMTr é uma técnica de grande potencial para o tratamento de diversas condições patológicas atuais, visto que seu uso é relativamente simples, além de não possuir efeitos colaterais danosos. Ainda, esta técnica pode ser conjugada com medicamentos para melhorar a eficácia do tratamento, podendo ser uma alternativa ao tratamento medicamentoso no futuro. Entretanto, pesquisas adicionais ainda são necessárias para que seu uso seja liberado em outros transtornos além do depressivo.
Referências
[1] S. Rossi, M. Hallett, P. M. Rossini, and A. Pascual-Leone, “Safety, ethical considerations, and application guidelines for the use of transcranial magnetic stimulation in clinical practice and research.,” Clinical neurophysiology : official journal of the International Federation of Clinical Neurophysiology, vol. 120, no. 12, pp. 2008–39, Dec. 2009.
[2] M. A. Salleh, I. Papakostas, I. Zervas, and G. Christodoulou, “Eletroconvulsoterapia: critérios e recomendações da Associação Mundial de Psiquiatria,” Revista de Psiquiatria Clínica, vol. 33, no. 5, pp. 262–267, 2006.
[4] J. M. Hoogendam, G. M. J. Ramakers, and V. Di Lazzaro, “Physiology of repetitive transcranial magnetic stimulation of the human brain.,” Brain stimulation, vol. 3, no. 2, pp. 95–118, Apr. 2010.
[5] M. S. Senior, Carl. Russel, Tamara. Gazzaniga, “Transcranial Magnetic Stimulation in Human Cognition,” in Methods in Mind, M. S. Gazzaniga, Ed. MIT – Massachusetts Institute of Technology, 2006, pp. 1–26.
[6] M. Gross, L. Nakamura, A. Pascual-Leone, and F. Fregni, “Has repetitive transcranial magnetic stimulation (rTMS) treatment for depression improved? A systematic review and meta-analysis comparing the recent vs. the earlier rTMS studies.,” Acta psychiatrica Scandinavica, vol. 116, no. 3, pp. 165–73, Sep. 2007.
[7] S. Machado, F. Paes, B. Velasques, S. Teixeira, R. Piedade, P. Ribeiro, A. E. Nardi, and O. Arias-Carrión, “Is rTMS an effective therapeutic strategy that can be used to treat anxiety disorders?,” Neuropharmacology, vol. 62, no. 1, pp. 125–34, Jan. 2012.
[8] B. R. Mishra, S. H. Nizamie, B. Das, and S. K. Praharaj, “Efficacy of repetitive transcranial magnetic stimulation in alcohol dependence: a sham-controlled study.,” Addiction (Abingdon, England), vol. 105, no. 1, pp. 49–55, Jan. 2010.
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1 Técnica de estimulação cerebral onde dois eletrodos são posicionados em regiões de interesse no tratamento do paciente, uma corrente elétrica passa entre os dois eletrodos gerando convulsão. O tratamento evoluiu muito e hoje é aplicado com o paciente sob anestesia. Evidências apontam para um alto nível de eficácia em casos onde há resistência as formas tradicionais de tratamento nos transtornos de depressão profunda, mania e esquizofrenia [2].
2 O parecer nº 37 de 2011 – PROCESSO-CONSULTA CFM nº 7.435/08, legaliza o uso da EMTr em prática médica clinica sob regime ainda experimental. Veja o parecer aqui:
http://migre.me/dWz3s
3 Reportagem da Folha de São Paulo sobre testes do uso da EMT em pacientes com dor crônica, leia mais:
http://goo.gl/ZPrCs
4 “Lesão Virtual” é um paradigma experimental onde a atividade de uma região no cérebro pode ser interrompida momentaneamente, via EMT, durante a execução de um comportamento. Impedindo-o ou dificultando a sua emissão, desta forma, simulando uma lesão cerebral de pequena escala. Permitindo entender o papel daquela região no comportamento. O efeito é temporário, podendo durar de minutos à poucas horas.
5 Região do cérebro responsável pelo controle do movimento no corpo, localizada anteriormente ao sulco central, para maiores detalhes:
http://migre.me/dWnF6
6 Região cerebral envolvida com memória de curto prazo, socialização, regulação do humor e do pensamento. Mais informações:
http://migre.me/dXBCO
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