TERAPEUTAS NO MUNDO VIRTUAL – Explorando suas funções terapêuticas
Carina Paula Costelini
Instituto Innove
Há alguns meses, quando publiquei aqui no Comporte-se o texto “Terapeutas no mundo virtual”, procurei levantar alguns questionamentos acerca do comportamento de terapeutas no mundo virtual, em especial nas redes sociais. O texto discutiu alguns cuidados necessários que terapeutas devem ter ao ingressar em redes sociais, para que não haja implicações negativas ao processo terapêutico daqueles clientes que também frequentam redes sociais (certamente, a maioria dos nossos clientes).
No final do texto, ressaltei – sem me estender – que o contato com as redes sociais pode também trazer benefícios para o processo terapêutico e para relação terapêutica, desde que utilizado com algumas ressalvas. Deixei para discutir tais pontos nesse texto. Então, vamos lá.
Em primeiro lugar, gostaria de salientar que não estou aqui discutindo a modalidade de atendimento psicológico online, a qual utiliza os recursos tecnológicos (nesse caso a internet) como base para todo o processo (para informações sobre tal modalidade, acesse a RESOLUÇÃO CFP N° 011/ 2012). A proposta desse texto é identificar e discutir formas de utilizar as redes sociais – e o mundo virtual de forma geral – como ferramentas auxiliares no processo terapêutico.
Agora sim, vamos ao assunto em questão. Para começar, é importante descrever quais são os comportamentos comumente envolvidos no uso das redes sociais. Entre eles, pode-se destacar:
– Criar perfil de usuário, com foto e dados pessoais, tais como estado civil, idade, profissão, gostos e hábitos;
– Convidar amigos para fazerem parte da rede (ou aceitar convites feitos), permitindo acesso mútuo às informações dos perfis;
– Publicar fotos, frases e/ou pensamentos;
– Acompanhar publicações dos usuários;
– Deixar e receber recados públicos ou privados para usuários;
– Comentar e receber comentários nas publicações feitas;
– Participar de grupos ou comunidades com temas/assuntos específicos, onde há espaço para discussão de ideias, perguntas, sugestões, etc.
Avaliando esses comportamentos em conjunto, pode-se dizer que estamos diante de uma classe de comportamentos inseridos no conceito dehabilidades sociais. Del Prette& Del Prette (2001a) descrevem o termo como uma relação entre respostas de duas ou mais pessoas em interação, em que as respostas de cada uma funcionam como antecedentes ou consequentes para as demais, de forma dinâmica e alternada no processo interativo.Em 2005, os mesmos autores complementam a definição do termo, afirmando que as habilidades sociais aplicam-se às diferentes classes de comportamentos sociais do repertório de um indivíduo, favorecendo um relacionamento saudável e produtivo com as demais pessoas.
Assim, as redes sociais podem atuar como importantes recursos terapêuticos no desenvolvimento de comportamentosem clientes que apresentam déficit nas habilidades sociais. O terapeuta pode utilizar as redes sociais de diferentes formas, sempre analisando funcionalmente cada situação e cada caso. Alguns exemplos:
– Elaborar o perfil do cliente em sessão, discutindo os sentimentos envolvidos na exposição de imagens e informações, assim como os comportamentos emitidos durante esse processo;
– Treinar habilidades sociais específicas, como iniciar/encerrar conversação; expressar amor, afeto e agrado; defender os próprios direitos; solicitar favores; recusar pedidos; fazer e aceitar cumprimentos; expressar as próprias opiniões, mesmo os desacordos; etc., utilizando a rede social como ferramenta.
– Quando o cliente trouxer dados em sessão sobre interações no mundo virtual, o terapeuta pode utilizar as informações para fazer análises funcionais com o cliente, de preferência tendo acesso não só ao relato verbal e sim à interação propriamente dita, já que há um fácil acesso a essas informações dentro da sessão, através de um celular, tablet ou laptop.
Quanto a esse último tópico, Wielenska (2010), ressalta a importância de utilizar dados virtuais do cliente somente em comum acordo com o mesmo, assim como é feito quando há necessidade de fazer uma sessão com algum parente ou amigo para o progresso da terapia. A autora questiona:
“[…] quais razões teríamos para furtivamente escarafunchar a vida virtual do cliente? Se não coletamos dados na sessão, teremos mais sucesso por meios furtivos? Qual o preço desse suposto sucesso na coleta de dados? Não seria mais honesto, produtivo e ético sugerir ao cliente que nos mostre um pouco de seu comportamento na web, para depois compararmos juntos essa amostra virtual com o padrão estabelecido ao vivo, no calor ou frieza das sessões?” (2010, p. 32)
Tomando esses cuidados, o terapeuta pode não só discutir com o cliente os dados obtidos pelas redes sociais em sessão, como pode utilizá-los para complementar suas próprias análises funcionais do caso. A cada comportamento observado, pode-se levantar hipóteses, tais como: “esse comportamento pertence a uma classe de respostas que demonstram suas dificuldades em relações sociais?” ou “esse comportamento é novo no repertório do meu cliente e pode ser considerado um avanço, uma melhora?”. A partir daí, as análises funcionais podem ser complementadas, já que, como afirma Delitti (2001), elas são fundamentais para o levantamento adequado dos dados necessários durante todo processo terapêutico, sejana avaliação, na intervenção ou mesmo no processo de alta.
Por fim, é importante também destacar o papel que as redes sociais (e o mundo virtual como um todo) podem estabelecer diretamente na relação entre terapeuta e cliente. O terapeuta, mais uma vez, pode usar esse recurso a seu favor, no sentido de estabelecer novas contingências e proporcionar possibilidades de ampliação do repertório comportamental do cliente. Clientes que demonstram dificuldades em estabelecer vínculos ou expressar sentimentos, por exemplo,podem ser beneficiados por essa ferramenta. Como? O terapeuta pode propor atividades terapêuticas que envolvam trocas de e-mails (ou outros tipos de recados virtuais), nas quais haja possibilidade de evocar o comportamento em foco.
Recorrendo ao nosso Código de Ética, observa-se que essa relação é bastante delicada e exige alguns cuidados, já que:
“Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:
j) Estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou terceiro que tenha vínculo com o atendido, relação que possa interferir negativamente nos objetivos do serviço prestado.”
Assim, a relação terapêutica estabelecida fora do setting terapêutico – assim como dentro dele – deve ser pautada em princípios éticos, para que não extrapole sua condição e se confunda com uma relação de pura amizade.
Considerando que o terapeuta não pode selecionar alguns aspectos da vida cotidiana do cliente para trazer à sessão, cabe a ele buscar todos e quaisquer eventos ou situações presentes no cotidiano do cliente como um meio de intervenção e desenvolvimento de repertório, ainda que esses ocorram virtualmente. Com muita cautela – e uma dose extra de criatividade – o mundo virtual pode trazer diversos benefícios para a terapia, sem que questões éticas sejam violadas.
Referências:
Código de Ética Profissional do Psicólogo (2005).
Del Prette, A. & Del Prette, Z. A. P. (2001a). Psicologia das relações interpessoais: vivências para o trabalho em grupo. Petrópolis: Vozes.
Del Prette, Z. A. P. & Del Prette, A. (2005). Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis: Vozes.
Delitti, M. (2001). Análise funcional: o comportamento do cliente como foco da análise funcional. Em M. Delitti (org.). Sobre o comportamento e cognição (v.2), pp. 35-42. São Paulo: ESETec.
Wielenska, R. C. (2010). Terapeutas analítico comportamentais e redes sociais. Em: Revista Perspectivas, vol. 01, n. 01, pp. 28-33.