Por ocasião do III Encontro Goiano de Terapia Analítico-Comportamental, o prof. Luc Vandenberghe, um dos palestrantes do evento, nos concedeu uma entrevista onde fala da sua trajetória como psicólogo clínico e da sua prática com a Terceira Onda da Terapia Comportamental, tema principal do evento.
[Entrevista Exclusiva] Terceira Onda da Terapia Comportamental – Prof. Luc Vandenberghe – [III Encontro Goiano de Terapia Analítico-Comportamental]
Confira a entrevista nas linhas abaixo. Caso tenha interesse em saber mais sobre o evento e como se inscrever e participar, clique aqui.
Comporte-se – Gostaria que nos contasse um pouco sobre a sua trajetória como psicólogo. Como foi que se interessou e se aprofundou sobre a terapia comportamental?
Luc Vandenberghe – Estudei psicologia clínica e terapia comportamental na Bélgica durante os anos oitenta. Depois trabalhei cinco anos num serviço de atendimento e psicoterapia ambulatorial num hospital na Alemanha, antes de emigrar para o Brasil, onde segui como clínico e professor universitário. Logo depois da minha chegada conheci a terapia comportamental brasileira através dos trabalhos de Banaco, Guilhardi, Delitti e outros. Essa influência contribuiu muito para meu desenvolvimento como terapeuta.
Meu primeiro contato com as terapias que agora chamamos de Terceira Onda tinha se dado bem antes, na Bélgica, quando estava quase concluindo meu mestrado. Neste trabalho, pretendia construir subsídios para uma abordagem comportamental para pessoas com transtorno de personalidade borderline. A tarefa era difícil. O transtorno de personalidade borderline era, então, um diagnóstico psiquiátrico recentemente introduzido na Europa. Trata-se de pessoas que sofrem intensamente e desenvolvem relacionamentos intensos e turbulentos com as pessoas próximas, inclusive com seus terapeutas. E este estilo relacional complica a relação colaborativa com o terapeuta ao ponto de tornar a terapia contra produtiva. Eu trabalhava a partir dos pressupostos de uma terapia comportamental clássica, digamos da primeira onda. Numa tarde de inverno em 1987, encontrei uma publicação de Marsha Linehan, que apresentou uma visão comportamental, que resolvia os problemas com os quais eu estava lutando na minha dissertação.
A partir deste ponto, descobri a literatura incipiente do que ia se tornar a Terceira Onda, incluindo as primeiras publicações sobre FAP e sobre a terapia contextual (que hoje é chamada de ACT) e fiz contato com os raros clínicos que já estavam trabalhando com essa visão na minha região.
C – O foco do III Encontro Goiano de Terapia Analítico-Comportamental, do qual o senhor é um dos palestrantes, são as chamadas terapias da Terceira Onda. Quais são as terapias modernas que participam dessa denominação? Quais delas o senhor utiliza na sua prática?
LV – As três terapias mais divulgadas são a Terapia Comportamental Dialética, originalmente um tratamento para pessoas com transtorno de personalidade borderline, que, durante as últimas décadas evoluiu para uma abordagem psicoterápica compreensiva, a FAP (psicoterapia analítico-funcional) e a ACT (terapia de aceitação e compromisso). Estes três formam o núcleo duro do movimento. Antigamente, a Terapia Comportamental Integrativa de Casal desenvolvida por Neil Jacobson era também incluída na lista. Mas essa abordagem não acompanhou a expansão fulminante das outras três. Recentemente, a Ativação Comportamental, um tratamento mais específico para a depressão também é incluída como parte desse grupo.
O fato de que as abordagens foram desenvolvidas durante a década de oitenta, por grupos de behavioristas que estavam em contato próximo entre eles, explica o parentesco filosófico e a proximidade entre os estilos clínicos. Eu considero a compatibilidade entre eles tão vasta que não tenho problema no consultório de navegar entre estas abordagens, ou de escolher entre elas o estilo que mais combina com um cliente ou um casal especifico, ou até com certo momento na terapia.
C – O senhor tem diversos artigos e trabalhos publicados em terapias da Terceira Onda e é um dos maiores nomes no Brasil atualmente quando se fala na ACT, a Terapia de Aceitação e Compromisso. Ultimamente, a ACT tem crescido muito por aqui e se ouve falar frequentemente dela em congressos e workshops. No entanto, a ACT ainda é alvo de controvérsias diversas. Entre elas, a sua proposta teórica, baseada na RFT (Teoria dos Quadros Relacionais, na tradução mais comumente utilizada). Qual seria exatamente a relação entre as duas? A RFT é uma proposta que cumpre com os pressupostos da Análise do Comportamento, ou tem, como dito por alguns críticos, fundo mentalista?
LV – Eu falaria de um renascimento da ACT (e da FAP) no Brasil. Quando cheguei no pais em 1994, encontrei vários colegas que trabalharam com essa perspectiva clínica. Principalmente no Sul, o modelo já estava consolidado na prática de muitos terapeutas comportamentais. Houve cursos e seminários e até um interesse inicial por parte dos analistas do comportamento nas universidades. Porém, a discussão académica sobre essas jovens terapias já se esgotou logo no inicio do século XXI. Lembro-me que, muitas vezes, ACT e FAP foram confundidas com a terapia cognitiva comportamental que naquela época foi alvo de crítica em discussões comportamentalistas. Enquanto o interesse acadêmico evanesceu, os terapeutas continuaram a usar essas terapias no consultório. Mas com o ressurgimento recente, muitos colegas reagem à Terceira Onda, como se fosse uma inovação inusitada.
Eu não diria que a Teoria dos Quadros Relacionais é mentalista. O interessante desse modelo é exatamente que procura explicar de forma comportamental alguns fenómenos psicológicos que até recentemente constituíram o campo privilegiado dos modelos cognitivos. Não tenho certeza se cumpre com os pressupostos da Análise do Comportamento. Evitar o mentalismo é só um dos critérios. É uma pergunta para os experimentalistas. Eles não chegaram a um consenso sobre o assunto. De um ponto de vista clínica, eu não sinto que a ACT precisa da TQR. A noção do quadro relacional explica certos fenômenos que observamos no consultório. Mas outras teorias podem prestar o mesmo serviço. Os processos clínicos, as hipóteses psicopatológicas, as técnicas terapêuticas e a abordagem clínica da ACT podem ser compreendidos muito bem a partir do modelo tradicional do controle verbal. Foram, historicamente, a pesquisa e a teorização sobre o controle verbal que geraram a ACT. A TQR só foi coadjuvante nessa história.
C – Por fim, gostaria que nos falasse um pouco sobre o que o senhor apresentará no III Encontro Goiano de Terapia Analítico-Comportamental. Qual será o tema da sua palestra?
LV – Vou dar um minicurso, junto com a Professora Cristiane Alves, da UFG sobre o relacionamento terapêutico na terapia comportamental individual e de casal. Escolhemos, para desenvolver este tema, de apresentar dois modelos clínicos, um sendo a FAP, Psicoterapia Analítico Funcional de Tsai e Kohlenberg, outro sendo a Terapia Comportamental Dialética de Linehan. Os dois modelos colocam a genuinidade e a intensidade do relacionamento entre terapeuta e cliente no centro do processo curativo. Mas o fazem de formas diferentes. A nossa intenção é de apresentar como a terapia comportamental contemporânea procede na prática do consultório.