[Entrevista Exclusiva] – Prof. Alexandre Dittrich – XXI Encontro da ABPMC

Mais uma entrevista da nossa série pertencente ao XXI Encontro da ABPMC. O entrevistado dessa vez é o prof. Alexandre Dittrich. Dittrich é doutor em Filosofia pela UFSCar, professor da UFPR e publica recorrentemente sobre Behaviorismo Radical e Análise do Comportamento, principalmente quanto a temas conceituais e epistemológicos da área. Abaixo, confira as perguntas que fizemos a ele por ocasião do XXI Encontro!
Prof. Alexandre Dittrich na mesa sobre Comportamento Religioso

Comporte-seQueria começar com uma pergunta mais pessoal, mas que sempre faço aos entrevistados. Como foi que você se interessou por Análise do Comportamento?
Alexandre Dittrich – Eu entrei no curso de Psicologia por acaso. Não tinha nenhuma paixão especial por Psicologia – aliás, mal sabia o que era. Apenas achava que era o curso “menos desinteressante”. Arrisquei o vestibular e deu certo, mas foi raspando – passei em último lugar na última chamada. Pensando nisso hoje, eu me admiro. Pequenos acasos podem mudar tudo.
Quando eu comecei o curso, não tinha clareza de que existiam “abordagens”, “linhas”, etc., porque nenhum professor falava disso. Então, para nós, era tudo “Psicologia”. Isso pode até parecer positivo, porque todos os psicólogos estudam relações comportamentais, não importa qual seja a teoria. O que muda são os conceitos e os métodos. Mas isso já é o ponto de vista de um analista do comportamento. Um psicanalista poderia dizer que todos os psicólogos estudam relações entre as instâncias do aparelho psíquico. Então, eu acho que só é possível extrair o que há de bom em cada teoria se você já tem uma teoria que lhe diz o que é bom. 
No começo, tudo aquilo parecia uma grande confusão. Vinha um professor e falava sobre Freud, outro falava sobre Piaget, outro sobre Vygotsky, outro sobre Skinner, outro sobre psicologia do desenvolvimento, outro sobre testes psicológicos… e tudo era “Psicologia”! Quem me salvou dessa confusão foi um professor chamado Pedro Bertolino – um senhorzinho que era fenomenólogo, existencialista e sartreano. Ele falava o tempo todo de epistemologia, de investigação, de método… Falava sobre a produção de conhecimento em Psicologia. Essa era a lâmpada que alguém precisava acender no meu caminho: o conhecimento psicológico, as teorias psicológicas – tudo o que esses grandes caras escrevem em seus livros – tem que vir de algum lugar! Só aí começou a ficar claro pra mim que havia propostas diferenciadas de produção de conhecimento psicológico, e que era possível discutir até mesmo sobre o que produzimos conhecimento na Psicologia. Foi o que bastou pra mudar a minha vida. Me apaixonei por epistemologia para todo o sempre. 
Por motivos óbvios, minha primeira identificação teórica foi com a fenomenologia e com o existencialismo. Depois disso, me identifiquei com a psicologia histórico-cultural, de inspiração vygotskiana. (Por algum motivo que não sei explicar, eu nunca me identifiquei como um possível psicanalista, embora admire alguns escritos de Freud.) Só mais no fim do curso eu me dei conta que a análise do comportamento produzia dados que, pelo menos para mim, eram mais sólidos. Mas posso dizer sem reservas que aprendi coisas importantes estudando fenomenologia, existencialismo, psicologia sócio-histórica, psicanálise… Acho que os psicólogos dessas orientações tratam de aspectos importantes das relações comportamentais – aspectos aos quais nós também devemos prestar atenção. Além disso, ter estudado essas psicologias me ajuda a entender como pensam meus alunos na UFPR, especialmente aqueles que não gostam muito de análise do comportamento. Eu acho que consigo falar a língua deles e entender o que eles falam. 
Bem, voltando à pergunta: além da solidez nos dados, eu consigo identificar outras duas variáveis decisivas para ter me identificado com a análise do comportamento e o behaviorismo radical. A primeira: um belo dia, surgiram na biblioteca da Universidade Regional de Blumenau, onde eu estudava, os primeiros volumes da coleção “Sobre Comportamento e Cognição” – lindos, novinhos em folha. Aquilo foi muito importante pra mim – perceber que havia vida ativa e inteligente na AC pelo Brasil. Até então, tudo o que a nossa biblioteca tinha eram os livros do Skinner – a maioria, como se sabe, em traduções lamentáveis – e aqueles velhos manuais de “modificação do comportamento” publicados nos anos 70. 
E a segunda variável: casualmente, eu topei com alguns textos do professor Abib, que depois seria meu orientador na pós-graduação. Lembro, em especial, de dois textos “gêmeos” e geniais, que foram publicados em 1993 na revista “Psicologia: Teoria e Pesquisa”, e que se chamam “A psicologia é ciência?: O que é ciência?” e “A psicologia é ciência?: Ciência é articulaçäo de discursos da filosofia, da história da ciência e da psicologia”. Nesses textos ele falava sobre Skinner e Piaget de uma maneira magistral, e nesses textos ele me fisgou: eu seria um analista do comportamento (isso é pretensão, porque eu nem sei se sou). 
Em resumo, percorri um caminho acidentado até me identificar com a AC, oscilei entre várias “linhas” (acho que isso é muito comum entre os alunos) e fui, felizmente, vítima da famosa “serendipity”, a qual Skinner cansou de agradecer. Sou um apaixonado pela AC, mas poderia ser qualquer outra coisa, não fossem pequenos acidentes no caminho. 
C – Seu doutorado foi na área de ética e política na Análise do Comportamento, tema que se intercruza com o da ABPMC do ano passado, que focou na sustentabilidade. Desde então, como você acha que estão sendo abordados esses temas no Brasil e lá fora, já que eles têm ganhado bastante atenção nos últimos anos? Tem crescido o interesse, as publicações…?
Uma resposta adequada exigiria um levantamento sistemático, e isso eu não tenho. Especificamente sobre sustentabilidade, o crescimento das publicações e do interesse sobre o tema é visível, aqui e lá fora. A ABAI (Associaton for Behavior Analysis International) tem um grupo específico sobre isso, chamado Behavior Analysis for Sustainable Societies, e a mesma ABAI acabou de promover a Behavior Change for a Sustainable World Conference. No Brasil, a ABPMC vem sistematicamente incentivando ações, pesquisas e debates sobre o tema. Eu não tenho a menor dúvida de que a análise do comportamento tem um papel muito importante nesse sentido. É óbvio que nós não vamos salvar o mundo sozinhos, mas também não podemos desprezar nosso papel. O comportamento é o fenômeno central da sustentabilidade. Sustentar é um verbo.
Ética e política são temas bem mais amplos. Eu diria que as discussões dessa natureza vêm crescendo, especialmente aqui no Brasil. Eu fico muito feliz com isso. Na minha formação na graduação, uma das críticas que eu mais ouvia em relação à AC é que ela era despolitizada, alienada, até mesmo ingênua em relação aos problemas econômicos e sociais. Ela seria apenas mais um instrumento de perpetuação de um status quo injusto. Isso me deixava indignado. Eu não me achava um alienado, e gostava da AC. Não parecia haver uma ligação necessária entre uma coisa e outra.
Quando fiz minha tese, eu tinha a esperança de ajudar a chamar a atenção dos analistas do comportamento para esse tipo de discussão. E hoje ela está começando a pegar fogo (a discussão, não a tese!). Eu já achava na época que os analistas do comportamento não tinham uma posição política unificada, e hoje isso fica muito claro. Alguns são mais inclinados ao liberalismo, outros ao marxismo, outros ao anarquismo… apenas para ficar nos exemplos mais óbvios. Não há como discutir profundamente esses “ismos” aqui, e eu nem teria competência para isso. Mas acho que mais importante do que escolher um dos “ismos” é discutir seus prós e contras de um ponto de vista analítico-comportamental. Os “ismos” são práticas, verbais ou não-verbais. Eu arriscaria dizer que é possível encontrar análises, recomendações e práticas interessantes (e outras nem tanto) em todos esses “ismos”. Acho que é simplista dizer que um dos “ismos” está “certo” e os demais “errados”, porque a variabilidade de práticas envolvidas em cada um deles é muito grande. Nós ficamos indignados quando alguém faz uma caricatura da análise do comportamento, e precisamos evitar a mesma coisa nesse tipo de discussão. Ninguém precisa ter doutorado em filosofia política para discutir esses temas, mas precisamos estar preparados para reconhecer que “o outro” – seja liberal, socialista ou anarquista – pode não ser tão ingênuo quanto parece. Isso só se descobre estudando e debatendo. 
Acho também que não devemos esperar uma unificação, um grande acordo ético e político entre analistas do comportamento. O objetivo da discussão não é esse. O objetivo é contribuir para a sobrevivência das culturas – não uma sobrevivência qualquer, mas uma sobrevivência minimamente feliz, justa, solidária, criativa, produtiva. Arriscaria dizer que os diferentes “ismos” concordam quanto à maioria desses objetivos. O problema é descobrir as melhores formas para alcançá-los, e ninguém tem as soluções definitivas para isso.
A ética e a política lidam com previsões. Os dados são importantíssimos para fazer previsões – aliás, as melhores previsões são sempre baseadas em dados. Prever o futuro depende de entender o passado. Mas os dados não revelam tudo. As discussões éticas e políticas são inescapáveis, e a democracia parece ser o melhor dos métodos para levar isso a cabo. 
C Nesta ABPMC de 2012, mesas das quais você participou foram das mais comentadas. Uma sobre a qual ouvi muitos elogios foi a que falou de controle aversivo, que trouxe a debate inclusive novidades na área conceitual. Queria que falasse um pouco sobre o que foi dito por lá e as suas impressões sobre a mesa.
AD – Essa mesa aconteceu por iniciativa do Marcus Bentes, e ele foi muito gentil em me convidar, porque eu não entendo quase nada desse assunto. Aliás, essa é uma grande qualidade do Marcus: ele é um agitador, um cara com iniciativa, que faz as coisas acontecerem. 
Bem, nessa mesa o Paulo Mayer e a Tatu (Maria Helena Leite Hunziker) apresentaram dados e argumentações muito importantes. O Paulo fez uma retomada crítica sobre a discussão relativa à simetria ou assimetria entre reforço e punição. E a Tatu discutiu criticamente a distinção entre reforçamento positivo e controle aversivo. A posição dela, com a qual eu concordo plenamente, é que é muito difícil “separar” esses processos, tanto em termos conceituais quanto em termos empíricos. É impossível seguir uma regra como “nunca utilizar controle aversivo”, mesmo que você queira. Na prática do analista do comportamento, o importante são os resultados – e por “resultados” nós devemos entender todas as consequências do que fazemos, mesmo aquelas consideradas “subprodutos”. Os resultados devem ser analisados em toda a sua complexidade. 
Acho que o recomendável, no que diz respeito a isso, é analisar casos singulares, e não adotar uma regra geral.  Qual é a configuração particular das contingências presentes nessa situação específica? Apenas fazendo essa análise é possível decidir que tipos de intervenções são interessantes ou não. E mesmo assim, nós não podemos ter qualquer pretensão de tomar decisões indiscutivelmente “corretas”. Não existe isso na ética. Você faz o melhor que pode, mas é o seu melhor – histórica e culturalmente localizado, e influenciado por tudo isso. Nós não podemos escapar dessas influências, mas podemos tentar identificá-las e analisá-las criticamente. Por que pensamos o que pensamos, inclusive eticamente? Sob controle de que variáveis estamos quando achamos que isso ou aquilo é “bom” ou “ruim”?
Eu citei durante essa mesa um artigo publicado no JABA em 1974. Os autores, Rekers e Lovaas, empregaram procedimentos de extinção e punição para “tratar” um rapaz de cinco anos que apresentava “comportamentos femininos”. Os resultados para a vida dele foram desastrosos – e isso inclusive foi tema de um documentário da CNN, chamado “The Sissy Boy Experiment”, que é fácil de achar no YouTube. Esse experimento foi publicado há quase quarenta anos, mas a discussão é bem atual. Aqui no Brasil, por exemplo, há vários psicólogos reivindicando o direito de “tratar” homossexuais. Como nós, analistas do comportamento, devemos nos posicionar politicamente sobre isso? Nós não podemos nos furtar a esse tipo de discussão. Se queremos ter alguma influência sobre as práticas da nossa cultura, precisamos decidir o que achamos interessante para ela ou não, e nos manifestar. 
C – Por fim, queria que você nos contasse o que achou do evento de 2012 como um todo. Teve diferenças importantes quanto aos anos anteriores? Qual o balanço geral?
AD – A ABPMC desse ano ótima. As meninas da diretoria trabalharam muito para o sucesso do evento, e o resultado foi excelente. Elas têm paixão pelo que fazem – é muito bonito e inspirador vê-las trabalhando. 
De minha parte, eu aprendi muito. Todas as apresentações que eu assisti foram muito interessantes. E a ABPMC é muito legal, porque sempre é uma chance, às vezes a única no ano, de reencontrar muitos amigos. Nós estamos lá pelo conhecimento, mas acho sinceramente que não podemos perder esse lado humano, afetivo que a ABPMC tem. Isso inclusive deixa as pessoas mais a vontade para falar o que pensam, e contribui para a qualidade do evento, tornando o debate mais franco, mais aberto. 
O objetivo dos encontros da ABPMC é mudar comportamentos, e eu acho que o encontro desse ano cumpriu esse objetivo com louvor.
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Escrito por Aline Couto

Tem 22 anos e reside em Salvador, BA. Formada em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Durante o curso, aproximou-se da Análise do Comportamento, da Psicologia Cognitivo-Comportamental e da Neuropsicologia. Participou de grupos de pesquisa sobre Neuropsicologia Clínica e Cognitiva e Análise do Comportamento e Cibercultura na sua faculdade, além de grupos de estudo sobre Behaviorismo Radical.

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