“ouso afirmar que cada profissão tem seu preço: engenheiros civis podem ter calçados imundos com terra e cimento, médicos dão plantões em dias e horas não muito agradáveis, e terapeutas precisam ponderar acerca da função de exporem publicamente dados pessoais no Orkut, My Space, Facebook e similares”. (Wielenska, 2010, p.33)
Essa afirmação abre espaço para uma interessante discussão: como terapeutas devem se portar no “mundo virtual”? Esse texto não tem o objetivo de trazer regras de condutas do terapeuta no mundo virtual, mas sim, levantar alguns questionamentos importantes, tais como: Terapeutas podem ter perfis em redes sociais? Terapeutas devem aceitar solicitações de amizade de seus clientes? Como expor momentos pessoais através de fotos, frases, vídeos, etc.? Para pensarmos sobre isso, é necessário fazermos uma reflexão sobre o papel do terapeuta na relação com seus clientes.
Nesse processo de formação, somos constantemente orientados a observar e identificar quais efeitos que diferentes aspectos de nosso comportamento como terapeuta podem produzir em nossos clientes. Muitos dados podem ser analisados em termos de antecedentes e consequências para as relações terapêuticas, assim como a aparência, forma de agir, a maneira de interagir com clientes, as regras que seguimos, etc. (Wielenska, 2010).
Terapeutas são estímulos complexos, com funções eliciadoras, evocativas e discriminativas. Seus comportamentos podem atuar como reforçadores durante a relação estabelecida com o cliente. Sendo assim, nós, terapeutas, deveríamos nos atentar também às possíveis variáveis de controle do nosso comportamento ao ingressar nas redes sociais. (Wielenska, 2010).
A partir do momento que um terapeuta opta por fazer parte de redes sociais e tornar sua vida pessoal pública, permitindo acesso inclusive aos seus clientes, alguns cuidados precisam ser tomados.
Nesse ponto, é importante destacar dois pontos do nosso Código de Ética:
Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:
a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão;
b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais;
Ao postar determinadas imagens e/ou textos, o terapeuta pode se colocar em uma situação um tanto complicada. Não é raro ver postagens como “Hitler só odiava os judeus porque não conhecia os funkeiros” ou “conheço apenas três tipos de mulheres: As inteligentes, as bonitas e a maioria” em redes sociais. Agindo assim, não estaríamos contrariando nosso Código de Ética? Apesar da ressalva “quando do exercício de suas funções profissionais”, é importante relembrar o fato, já citado nesse texto, de que terapeutas atuam como estímulos discriminativos, eliciadores e evocativos na relação com seu cliente. Se o cliente faz parte da rede de amigos virtuais do terapeuta, ele terá acesso ao seu perfil completo. Ainda que, ao navegar pelas redes sociais, o terapeuta está apenas vivendo sua vida pessoal, será que ele deixa de atuar como estímulo para o cliente que acessa seu perfil?
Falando em vida pessoal, Wielenska (2010), distingue dois papéis que o terapeuta assume: “pessoa pública” (vida profissional) e “pessoa privada” (vida pessoal). Dessa forma, é preciso lembrar que o terapeuta é também uma pessoa “[…] que sofre, tem problemas, ama, frequenta festas, apenas sonha com viagens ou as planeja e realiza, enviúva, flerta, compra carro, pede financiamento, teve depressão, abortou ou tem cinco filhos”. (p. 32) Assim, terapeuta tem direito de ter convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas e religiosas assim como qualquer outra pessoa. Apesar disso, a própria autora questiona: “Teríamos absoluta necessidade de deixar esses dados abertos à visitação pública, sob a forma de imagens ou textos?” (p. 32). Considerando todos os apontamentos já feitos, acredita-se que tal exposição deve ser evitada, ou quando feita, deve levar em conta todas as reflexões aqui levantadas.
Como dito, o texto não teve o objetivo de definir regras específicas de condutas do terapeuta no mundo virtual, mas sim, instigar alguns questionamentos para que seu papel de “pessoa privada” não traga prejuízos para a “pessoa pública”. Como afirma Wielenska (2002), não há soluções prontas para essas questões, mas cabe aos terapeutas agir, ao menos, com cautela e moderação.
Para finalizar, é importante ressaltar que, apesar de várias ressalvas a respeito do comportamento do terapeuta no mundo virtual, esse contato pode também trazer benefícios tanto para o processo terapêutico quanto para a própria relação terapêutica. Mas, as maneiras de aproveitar as redes sociais de forma benéfica para a terapia ficam para um próximo texto…
Referência:
Brandão, M. Z. S., & Silveira, J. M. (2004). Manejo de Comportamentos Clinicamente Relevantes. Em C. N. Abreu & H. J. Guilhardi (Orgs). Terapia Comportamental e Cognitivo-Comportamental: práticas clínicas, pp. 194-204. São Paulo: Roca.
Wielenska, R. C. (2010). Terapeutas analítico-comportamentais e redes sociais. Revista Perspectivas, vol. 01, n. 01, pp. 28-33.
Código de Ética Profissional do Psicólogo (2005).