Autismo: Ensinando novas habilidades

O último artigo apresentou um dos grandes pilares da intervenção comportamental com autismo: a minimização e extinção de comportamentos inadequados. Agora, abordarei o segundo pilar: o ensino ou maximização de comportamentos adequados. Veremos algumas técnicas da Análise do Comportamento que visam ensinar e manter novas habilidades. O objetivo do analista do comportamento, neste momento, é instalar respostas novas e mais aceitas socialmente que produzam as mesmas consequências reforçadoras que os comportamentos inadequados produziam. Desta forma, estas novas habilidades podem vir a substituir os comportamentos inadequados. 
Vale ressaltar que os procedimentos de ensino de novas habilidades não devem ser iniciados apenas quando os comportamentos inadequados forem completamente extintos. Ambas as vias de ação devem ocorrer paralelamente, afinal a aprendizagem de respostas novas ajuda a minimizar as respostas inadequadas. Se o procedimento de extinção descrito no artigo anterior estiver sendo feito, as respostas inadequadas não estarão mais sendo reforçadas, enquanto as habilidades novas estarão recebendo reforçadores potentes a cada tentativa. Assim, comportamentos adequados reforçados são fortalecidos e, aos poucos, substituem os comportamentos inadequados que, por não serem mais reforçados, vão se enfraquecendo. 


Para ensinar novas habilidades à criança o analista do comportamento deve agir na tríplice contingência que compõe a resposta a ser ensinada. Ou seja, ele deve manipular variáveis antecedentes visando evocar estas respostas e manipular variáveis consequentes visando selecionar, fortalecer e manter estas respostas. 
A manipulação de variáveis antecedentes envolve o uso de diferentes tipos de dicas para facilitar o responder e evitar erros e frustrações. Muitos estudos (Maurice, Green & Luce, 1996; Sidman, 1985; Terrace, 1963) mostraram as desvantagens do erro durante a aprendizagem, e as vantagens de uma aprendizagem baseada apenas no reforçamento positivo de respostas corretas. Com crianças e adolescentes autistas estes achados são ainda mais relevantes, afinal esta população apresenta atrasos no desenvolvimento e dificuldades cognitivas que tornam a situação de aprendizagem ainda mais complexa e, na maioria das vezes, frustrante. São crianças que, ao iniciarem o tratamento, já trazem consigo uma história de fracassos e frustrações na aprendizagem que, provavelmente, geraram alguma aversão ou resistência a situações de ensino e aprendizagem. Por isso, é fundamental que proporcionemos a estas crianças um contexto de aprendizagem prazeroso, reforçador e sem frustrações, dificuldades ou confirmações de suas fraquezas. 
Para isso, o ensino de uma nova habilidade para crianças autistas deve começar com dicas intrusivas, que consistem em praticamente executar a tarefa junto com a criança, pegando em sua mão e direcionando-a a executar o movimento pedido (uma imitação ou uma discriminação de imagens, por exemplo). À medida que esta resposta com ajuda total vai sendo reforçada e, com isso, vai se instalando, o adulto pode começar a diminuir a ajuda gradualmente. Por exemplo, se vamos ensinar uma discriminação de cores, inicialmente, pediremos para a criança pegar uma determinada cor e, imediatamente, levaremos sua mão até esta cor e pegaremos junto com ela. Em seguida o reforço deve ser disponibilizado imediatamente. Após algumas tentativas com esta ajuda, podemos passar a, simplesmente, guiar a mão da criança para ela pegar a cor pedida. Depois, o adulto passa a apenas apontar para a cor pedida e, finalmente, a criança passa a pegar a cor pedida sozinha. O mesmo pode ser feito no ensino de respostas verbais. Neste caso o treino inicia com o adulto colocando a demanda e dando a resposta completa para a criança apenas repetir, a isso chamamos de dica ecoica. Quando a criança já estiver respondendo bem com esta dica o adulto diminui a ajuda falando apenas o início da resposta para a criança completar a palavra ou frase solicitada, a isso chamamos dica intraverbal. Assim, a criança adquire a resposta sem viver a frustração do erro e tendo respostas reforçadas o tempo todo. 
Ainda em relação à manipulação de variáveis antecedentes, é preciso estabelecer estímulos discriminativos para a resposta esperada, ou seja, estímulos que sinalizam que em sua presença a resposta pedida será reforçada. Isto significa que, pelo menos na fase de instalação da resposta, deve ser usado o mesmo tipo de estímulo em todas as tentativas de treino de uma determinada resposta e a demanda deve ser colocada sempre da mesma forma. Chamamos este formato de tentativas discretas, ou seja, tentativas com controle total de variáveis. As tentativas discretas consistem na delimitação clara de um estímulo antecedente específico (Ex.: o terapeuta apresenta claramente um movimento a ser imitado); explicitação clara de uma resposta específica (Ex.: o terapeuta ajuda a criança a emitir a imitação do movimento modelo); e um reforçador claramente programado para essa resposta (Ex.: o terapeuta imediatamente disponibiliza um brinquedo, vídeo ou alimento reforçador). 
Depois que a resposta for aprendida em tentativas discretas trabalhamos na generalização desta para outros estímulos e outros contextos, isto é, começamos o chamado ensino incidental, sem controle de variáveis e em ambiente natural, a partir dos estímulos encontrados no ambiente. Por exemplo, se estamos ensinando a discriminação de numerais em tentativas discretas, temos que usar em todas as tentativas os mesmos números impressos, dispostos na mesa sempre do mesmo jeito (na horizontal ou na vertical). Não podemos pedir a discriminação com numerais impressos em preto em um dia e no dia seguinte utilizar numerais de madeira coloridos. Até que a resposta seja aprendida usaremos só os numerais impressos em preto e, depois, podemos generalizar o aprendizado para numerais de madeira de todas as cores, numerais escritos no papel ou na lousa, numerais na tela do computador, numerais que aparecem em placas pelas ruas, etc. 
Outra manipulação de variáveis antecedentes fundamental para a instalação de novas respostas chama-se, em Análise do Comportamento, operações estabelecedoras. Esta manipulação consiste em planejar uma situação antecedente que aumente o valor do reforço que será usado para consequenciar a resposta correta. Por exemplo, se o plano é usar chocolate como reforçador, não podemos fazer este treino em um momento em que a criança acabou de comer muito chocolate e, por isso, nem está mais com vontade. Para usar o chocolate como reforçador será preciso privar a criança de chocolate antes de iniciar o treino, só assim este alimento terá valor reforçador, isto é, só assim a criança responderá mais para obter mais chocolate. O mesmo vale para uso de um DVD ou um brinquedo como reforçador, se estes objetos estão disponíveis o tempo todo durante a sessão de terapia, provavelmente não terão o devido valor reforçador. Estes estímulos devem ficar sob controle do terapeuta, fora do alcance da criança para, só após a resposta correta (com ou sem ajuda) serem liberados e, assim, reforçarem a resposta emitida. 
Vejamos, agora, algumas manipulações de variáveis consequentes, ou seja, que devem ocorrer após a emissão da resposta esperada. Dizemos que uma resposta foi aprendida quando ela aumenta de frequência, passando a ocorrer sempre que a pessoa se depara com os estímulos que estavam presentes na última vez em que esta resposta foi reforçada, ou seja, os estímulos discriminativos. Então, a variável consequente mais importante a ser manipulada no ensino são os reforçadores, que precisam ser eficientes em selecionar e fortalecer esta resposta. 
A primeira regra para esta eficiência é que o reforço seja imediato, ocorrendo logo após a emissão da resposta. Assim, garantimos que seu efeito de fortalecimento caia sobre a resposta-alvo e não sobre qualquer outro comportamento que o aluno emitiu após a resposta-alvo. Por exemplo, pode acontecer de pedirmos uma resposta de imitação de um determinado movimento, a criança imitar e logo em seguida emitir um comportamento estereotipado (típico do autismo), como balançar as mãos. Se demorarmos demais para dar o reforçador (elogio, vídeo, brinquedo ou alimento) podemos acabar reforçando a estereotipia e não a resposta de imitação. 
Com crianças com desenvolvimento típico, a preocupação com o tipo do reforçador simplesmente não existe. Afinal, reforçadores naturais, ou seja, produzidos pela própria resposta são efetivos no fortalecimento e manutenção desta resposta. Se a professora pede que a turma faça um desenho sobre as férias, as crianças com desenvolvimento típico fazem o desenho e suas respostas são imediatamente reforçadas pelo prazer de desenhar ou de ver seu desenho cada vez mais pronto (reforço natural) ou, ainda, são reforçadas por consequências sociais, como o elogio dos colegas e da professora. Nada mais do que isso é necessário para manter uma criança executando qualquer atividade. Quando se trata de crianças autistas a escolha do reforçador se torna uma das principais questões do processo de ensino, afinal estas crianças geralmente não são sensíveis a reforços naturais e, muito menos, a reforços sociais. Os autistas não se interessam naturalmente pelas atividades infantis. Devido aos déficits na área social, os elogios e admirações das outras pessoas podem não significar nada para uma criança autista. Sendo assim, é preciso arranjar contingências de reforçamento “especiais” para consequenciar o responder destas crianças. 
O terapeuta precisa identificar reforçadores artificiais efetivos para cada criança (vídeos, brinquedos, alimentos, atividades, etc.). Estes reforçadores serão disponibilizados juntamente com consequências sociais (elogios, carinhos, etc.) e, obviamente, junto com as consequências naturais que estarão sendo produzidas pela resposta (prazer em executar a tarefa, aprender algo novo, etc.). Com este pareamento entre os reforçadores artificiais e as consequências naturais e sociais, as últimas podem adquirir as características reforçadoras dos primeiros. Se a cada vez que ligarmos um vídeo como reforçador também elogiarmos a criança, o elogio passa a sinalizar o vídeo e, com isso, a criança passa a querer ouvir elogios, passa a gostar disso. Com o tempo, apenas o elogio já funciona como reforçador e vamos, assim, conseguindo retirar gradualmente o uso de reforçadores mais artificiais. 
Em menor grau, isso também é feito na educação tradicional. As crianças pequenas se mantêm estudando e fazendo as atividades porque ganham estrelinhas ou pontos da professora e, ainda, ganham presentes do “Papai Noel” quando tiram nota boa. O adolescente continua estudando porque recebe notas acima da média ou porque ganha um videogame dos pais se passar de ano. Com o tempo, estes reforçadores artificiais vão deixando de ser tão necessários e vão ficando apenas os reforçadores naturais. Para alguns na faculdade e para outros apenas na pós-graduação o estudo passa a ser mantido pelo prazer de aprender, pela curiosidade e vontade de saber cada vez mais. Mas até aí existe um longo caminho de pareamento de estímulos, ou seja, pareamento de reforçadores artificiais com reforçadores naturais. 
Algumas crianças autistas apresentam uma restrição de interesses tão intensa que é muito difícil encontrar possibilidades de reforçadores. Estas crianças, com graus elevados do transtorno, parecem não se interessar por nada. Nestes casos temos que começar a intervenção utilizando os chamados reforçadores primários ou incondicionados, que são estímulos ligados à sobrevivência da espécie, como por exemplo, o alimento. Ninguém precisa aprender a gostar de alimento, este interesse é inato, pois está ligado à história da espécie como forma de garantia da sobrevivência. Assim, quando não existem alternativas, o analista do comportamento utiliza alimentos como reforçadores para instalar novas respostas. Porém, é fundamental que desde o primeiro momento em que este reforçador for utilizado ele seja pareado com outros estímulos (elogio, brinquedos, vídeos, etc.) que vão, aos poucos, se tornando o que chamamos de reforçadores secundários ou condicionados. Neste caso, estaremos fazendo na terapia o que deveria ter acontecido naturalmente na história de vida da criança, mas, devido às suas deficiências, não aconteceu. No decorrer de nossa história de vida diversos estímulos são pareados com reforçadores primários e vão se tornando reforçadores secundários, compondo a vasta gama de interesses que qualquer criança, adolescente ou adulto típico apresenta. Com os autistas mais graves este processo fica comprometido, já que ele não faz este pareamento espontaneamente. 
Durante o ensino temos, ainda, que planejar o melhor esquema de reforçamento. No início do ensino de uma resposta completamente nova o ideal é usar o reforçamento contínuo (na literatura, CRFContinuous Reinforcement), que consiste em reforçar cada resposta. A literatura indica o CRF como esquema fundamental no processo de aprendizagem de uma nova resposta. Visando a manutenção dessa resposta que passou a compor o repertório de comportamentos da criança, o terapeuta usa esquemas de reforçamento intermitente, ou seja, reforçando apenas algumas respostas. O reforçamento intermitente pode ser feito em função do número de respostas, ou seja, a resposta só é reforçada após um número fixo de respostas (FR – fixed ratio) ou após um número variável de respostas (VR – varied ratio). A intermitência do reforço pode, ainda, depender do tempo, havendo a possibilidade de disponibilizar o reforço para uma resposta emitida após um intervalo fixo (FI – fixed interval) ou após um intervalo variável (VI – varied interval). 
É importante enfatizar que nos esquemas baseados no intervalo de tempo (FI e VI) o fundamental é a criança emitir uma resposta após um período de tempo (que pode ser fixo ou variável), ou seja, o reforçamento não é liberado após a mera passagem de tempo. Desta forma, nos esquemas FI e VI temos dois critérios fundamentais: (1) o tempo fixo ou variável decorrido; e (2) a emissão da resposta pelo indivíduo. Se um profissional simplesmente disponibiliza um reforçador para uma criança autista após a passagem de um intervalo de tempo, ele pode acabar selecionando um repertório socialmente inadequado. Afinal, ele vai reforçar a resposta que estava ocorrendo naquele momento em que o reforço foi dado e esta resposta pode ser uma estereotipia, uma birra, uma agressão ou outros comportamentos indesejados. 
O reforçamento intermitente tem duas principais utilidades, a primeira é aumentar a frequência da resposta, já que com estes esquemas o indivíduo deve emitir mais respostas para obter um reforço do que com o reforçamento contínuo. A segunda utilidade é diminuir gradualmente o uso de reforçamentos artificiais, deixando a resposta mais sob controle de reforçadores naturais. Em um determinado momento da intervenção o analista do comportamento planeja disponibilizar o reforço artificial (vídeo, brinquedo ou alimento) em esquema FR2 (após 2 respostas), enquanto o elogio e os reforçadores naturais continuam em CRF. Depois de mais algum tempo o reforço artificial passa para FR4 (após 4 respostas), depois FR8, e assim por diante. Desta forma, o reforço artificial vai ficando cada vez menos presente até ser totalmente retirado e a criança responder apenas sob controle de reforços naturais e sociais. 
Utilizando os procedimentos descritos acima, o analista do comportamento ensina habilidades acadêmicas, sociais, verbais, habilidades que compõem o brincar, autonomia nas atividades de autocuidado e higiene pessoal, etc. Nos próximos artigos abordarei as especificidades do ensino de cada um destes grupos de habilidades. 
Referências Bibliográficas: 
Bagaiolo, L. & Guilhardi, C. (2002). Autismo e preocupações educacionais – um estudo de caso a partir de uma perspectiva comportamental compromissada com a análise experimental do comportamento. Sobre comportamento e cognição, volume 9, capítulo 7, 67-82. 
Maurice, C., Green, G., & Luce, S. C. (1996). Behavioral intervention for young children with autism. Pro-ed, Inc.: Austin,TX. 
Sidman, M. (1985). Aprendizagem sem erro e sua importância para o ensino do deficiente mental. Psicologia, 11 (3): 1-15. 
Terrace, H. S. (1963). Discrimination learning with and without “errors”. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, January; 6 (1): 1–27.
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Escrito por Juliana Fialho

Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no ano de 2006. Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Dissertação defendida em maio de 2009). Trabalha como psicóloga na Gradual (Grupo de Intervenção Comportamental), onde lida principalmente com crianças e adolescentes com desenvolvimento atípico. Tem experiência em Análise do Comportamento Aplicada. Já desenvolveu pesquisas de Iniciação Científica, Conclusão de Curso e Mestrado nos seguintes temas: desenvolvimento atípico, avaliação de repertório inicial, intervenção comportamental, comunicação funcional e alternativa e variabilidade comportamental.

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