Uma reflexão analítico-comportamental acerca das supermães

A ideia desse texto veio a partir de uma pergunta na sala de aula sobre os processos comportamentais. O assunto explanado era extinção e, para melhor compreensão do tema, passei um vídeo conhecido com uma criança chorando deitando-se no chão tentando chamar a atenção da mãe que passa sem olhar pra cena. Ele pode ser facilmente acessado aqui. Expliquei que os comportamentos da criança poderiam ser compreendidos como uma forma de resistência à extinção. Como assim?

A extinção é um processo comportamental definido como a retirada de um reforço contingente a um comportamento. (Skinner, 1953; Moreira & Medeiros, 2006). Já a resistência à extinção pode ser caracterizada pelo aumento da frequência de um determinado comportamento, a variabilidade comportamental e o aparecimento de respostas emocionais. (Skinner, 1953, Moreira &Medeiros, 2006). Com base nesses conceitos explanei que a criança do vídeo em questão, provavelmente estava passando por um processo de resistência à extinção dos comportamentos com função de receber atenção materna. Diante disso, um aluno perguntou: professora, se a mãe der atenção a esses comportamentos de resistência, eles serão reforçados, não é? (orgulho!) Mas e então, o que fazer? Deixar a criança chorando? E a pergunta capciosa: eu posso dizer que essa criança, tão pequena (ela tem uma aparência de 1 ano e meio), está manipulando a mãe?
Com relação às primeiras perguntas, respondi que o ideal seria o que os analistas do comportamento denominam “reforçamento diferencial de outro comportamento”, técnica também conhecida pela sigla DRO. (Moreira e Medeiros, 2006, Catania, 1999). Esse procedimento caracteriza-se pela aplicação da extinção de um determinado comportamento, no caso específico do vídeo, o ato de chorar ou jogar-se ao chão, bem como o reforçamento de outros comportamentos da criança, como, por exemplo, brincar, sorrir, ficar quieta, etc. Diante da resposta, surgiram algumas críticas pertinentes aos pais, e, em especial às mães, que, atualmente não brincam mais com seus filhos, passam o dia trabalhando e os deixam nas mãos dos avós, babás ou ainda, nas creches em turno integral.
No que tange à manipulação da criança, relacionei este comportamento com o uso do termo consciência, explicando que nesse caso é possível não existir esse paralelo, já que essa criança provavelmente não é capaz de falar sobre os seus comportamentos ainda. De acordo com Skinner (1969), a consciência é entendida como a capacidade de descrição verbal das contingências que estão sob controle de um comportamento. Expliquei que as contingências modificam nossos comportamentos, mas não necessariamente, somos capazes de discriminar essa modificação. Aliás, de acordo com Skinner (1974), a maioria dos nossos comportamentos é inconsciente, ou seja, não ocorre essa discriminação. Passei então a explicar que a birra era relativamente comum nas crianças porque durante sua história de vida, seus comportamentos de choro eram seguidos de reforços como atenção, carinho, comida, água, etc. Assim, o chorar torna-se um comportamento bastante fortalecido em seu repertório comportamental.
Quando as crianças ficam maiores, são ensinados e reforçados outros comportamentos, entretanto, ao ser apresentado a extinção, tem-se no repertório da criança um comportamento que já foi bastante reforçado e apresenta-se como uma das primeiras alternativas da resistência: o chorar. O choro é aversivo para os pais, que, muitas vezes, chegam de seus trabalhos cansados, e, como forma de retirar esse estímulo aversivo do seu ambiente, cedem às vontades da criança, tendo seus comportamentos reforçados negativamente.
Considerando as críticas feitas aos pais que não querem mais brincar com seus filhos, fiz a reflexão acerca do papel social das mães, que, ainda hoje, são, na maioria dos casos, mais responsáveis pela criação das crianças, pelo menos na primeira infância. Durante os primeiros meses da criança, a mãe recebe uma licença maternidade pra ficar com seu filho e cuidar dele. Assim, é ela, e, na maioria das vezes, só ela é responsável por observar e dar o que ele quer. Às vezes, costuma-se pensar: muito justo, afinal de contas, é filho dela e ela não está trabalhando, enquanto o pai está. Quando os pais chegam a casa, desculpam-se de estarem cansados e, quando a criança chora, chamam a mãe. Ora, cuidar de crianças deve ser um trabalho bastante cansativo também, além do que, muitas vezes, podem ser mantidos em esquemas de reforçamento com alto custo de resposta e recebimento mínimo de reforços, possivelmente um esquema de razão variável com razões altíssimas. De acordo com Catania (1999), esquemas de razão com taxas muito altas ocasionam a diminuição da taxa de respostas, porque as taxas altas e contínuas passam a ser frequentemente interrompidas por grandes pausas pós-reforços.
Assim, o acúmulo de cansaço dessas obrigações e funções de mãe e dona de casa pode resultar no comportamento da mãe de olhar a criança e dar atenção a ela somente quando a criança chorar, pois enquanto ela está quieta, pode-se aproveitar o tempo e fazer algo pra si ou mesmo cuidar da casa. Assim, os comportamentos de chorar são reforçados continuamente, enquanto outros comportamentos como brincar, sorrir e ficar quieto só são reforçados em algumas ocasiões. Se por um lado, esses outros comportamentos tornam-se mais resistentes à extinção, por outro, o comportamento de chorar torna-se mais fortalecido. Ao mesmo tempo, o chorar pode ir adquirindo mais ainda a função de estímulo aversivo, pois ele pode acontecer no momento em que ela estava fazendo algo importante para si, tendo que parar a atividade para ver a necessidade da criança.
Quando acaba o período de licença maternidade, a mãe se depara com o fato de ter que voltar a trabalhar e se separar temporariamente da criança. Ao chegar a sua casa, muitas vezes, tem que cumprir com as mesmas obrigações do período de licença-maternidade, como por exemplo, brincar com o filho, que pede sua atenção. Além disso, tem que alimentá-lo, banhá-lo e ensinar tarefas da escola, caso já estude. Não são raras as vezes que escuto no consultório que só quem faz isso são as mães. Quando os pais vão até a clínica, no momento dessa pergunta, respondem: “as mães tem mais jeito pra essas coisas”.
Assim, muitas vezes, as mães cumprem jornadas duplas de trabalho, trabalhando e cuidando da casa e dos filhos, além do emprego. E o cansaço dessa jornada dupla pode ser ocasião para comportamentos de fuga e esquiva com relação aos choros e birras da criança. Entretanto, a “supermãe”, ou seja, a que cuida dos filhos, do marido, da casa e ainda trabalha fora é o que há de mais valorizado em nossa sociedade, principalmente nesse período, às vésperas do dia das mães. Diante disso, questiono: qual o valor cultural da supermãe?
Inicialmente, a valorização da supermãe parece ser o de parabenizar as mulheres que conquistaram o fato de poder trabalhar fora de casa e continuam cumprindo seu papel de mãe na sociedade, que é colocado como o de cuidar dos filhos. Mas, além disso, essa valorização pode cumprir função de esquiva para os homens, que, muitas vezes, diante das obrigações com os filhos, preferem que a mulher continue a cuidar deles. Além disso, o papel da supermãe pode, muitas vezes, ser enxergado como uma obrigação materna. A obrigação tem um teor de controle aversivo, podendo gerar, futuramente, subprodutos ligados a esse processo, como a diminuição da frequência de outros comportamentos e o aparecimento de respostas emocionais. Assim, essa prática cultural, apesar de ter consequências em curto prazo que a mantém, pode trazer consequências em longo prazo aversivas para as famílias. A partir da reflexão sobre a função social que o termo supermãe possui, lançamos aqui a discussão sobre possibilidades de mudança.
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Escrito por Elayne Nogueira

Psicóloga clínica e professora de Análise do Comportamento. Ministra as disciplinas da área na FATECI - Faculdade de Tecnologia Intensiva - Fortaleza - CE. Atende aos públicos adulto, infantil e grupo, atuando também com Orientação de Pais. Mestre em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília - UnB - e graduada em psicologia pela Universidade Federal do Ceará. Foi fundadora da Liga do Comportamento - UFC. Escreve e pesquisa na área de práticas culturais, metacontingências, relações sociais e análise do comportamento, política e análise do comportamento e condução da clínica infantil.

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