É possível a determinação do comportamento não-verbal pelo comportamento verbal?

Segundo Skinner (1957) o comportamento verbal é um tipo especial do comportamento operante. O autor define esse tipo especial de operante como um comportamento cujas consequências que o mantém são mediadas pelo outro. Nesse sentido, o conceito de comportamento verbal não se restringe à fala, mas a toda e qualquer forma de comportamento que envolva a mediação da consequência do comportamento do falante pelo ouvinte, como a escrita, os gestos, as figuras, etc.


Ao discutir as possibilidades de alcance que o conceito de comportamento verbal poderia ter, Skinner questiona-se como o terapeuta comportamental pode lidar com o comportamento verbal na clínica. Essa questão vem sendo discutida até hoje por diversos autores analítico-comportamentais que atuam na área, e um dos pontos que tem sido alvo de estudos experimentais é a determinação do comportamento não-verbal por meio do comportamento verbal. De acordo com Catania (1999), a modelagem do comportamento verbal é uma técnica potente para modificar o comportamento humano.



Catania (1999) afirma isso com base em um estudo em que se demonstrou que o comportamento verbal modelado é acompanhado do comportamento não-verbal correspondente. Catania e cols. (1982) programaram dois botões que produziam o ganho de pontos por diferentes maneiras. Esses dois botões eram sinalizados por estímulos discriminativos diferentes e estavam disponíveis em momentos distintos. Em um, a contingência para ganhar pontos era por meio do esquema de razão randômica. No outro, vigorava o esquema Intervalo Randômico. Além disso, havia outra maneira para acúmulo de pontos, que era por meio de descrever como se ganhava pontos em cada botão. Essas descrições eram realizadas em uma folha de papel na qual se pedia para dizer qual a melhor forma de ganho de pontos em um determinado botão. Os comportamentos eram reforçados por meio de pontos recebidos. Na situação experimental, o dizer dos participantes foi reforçado de forma incongruente com contingência estabelecida, por exemplo, se em um botão vigorava o esquema razão randômica, a descrição modelada era a de pressionar devagar. Os resultados apontam que os estudantes modificavam o modo de pressionar conforme a modelagem das descrições do comportamento, havendo correspondência entre o dizer e o fazer. Assim, o que os estudantes diziam sobre seu comportamento era mais determinante do que as próprias consequências para a resposta de pressão dos botões.

Entretanto, de acordo com Catania e cols (1990) e Catania (1999), o comportamento verbal instruído ou governado verbalmente, seria relativamente insensível às suas consequências e é menos sistematicamente acompanhado pelo comportamento não-verbal correspondente. Assim, de acordo com esses estudos, quando o nosso comportamento verbal é modelado, o comportamento não-verbal acompanharia a modelagem, havendo uma correspondência entre o dizer e o fazer, o que implica na possibilidade da modificação do comportamento não-verbal na clínica por meio dessa técnica. Contudo, se são simplesmente oferecidas regras verbais aos clientes, não haveria necessariamente o acompanhamento do comportamento não-verbal, ou seja, não implica em mudanças.

Esses estudos, porém, foram questionados por alguns autores como Torgrud & Hollborn (1990). Eles modificaram a situação experimental de Catania e cols (1982, 1990), adicionando controle por esquema de reforçamento antes da modelagem do comportamento verbal. Torgrud e Hollborn (1990) replicaram o experimento de Catania e cols (1982), entretanto, a contingência para ganho de pontos por meio da modelagem da descrição verbal era inserida somente após os participantes já terem alcançado o máximo de pontos na contingência de pressão aos botões. Dessa forma, o controle do comportamento por meio do esquema de reforçamento já havia sido estabelecido. Os resultados indicam que mesmo as contingências de ganho de pontos serem opostas às contingências de descrição de ganho, os participantes continuaram a obter o máximo de pontos possível nessas contingências, sem correspondência entre o dizer e o fazer. Nesse estudo, a modelagem do comportamento verbal não modificou o comportamento não-verbal.

A área de estudos à qual pertencem os dois estudos discutidos acima, correspondência dizer-fazer, tem ainda muitos experimentos publicados sobre isso, e os resultados, em geral, apontam para que o dizer e o fazer sejam operantes diferenciados e sejam mantidos pelas consequências que os seguem. Entretanto, há alguns estudos como Catania e cols. (1982) e outros, que demonstram que a correspondência é possível em algumas situações, havendo, inclusive, modificação do comportamento não-verbal por meio da modelagem do comportamento verbal. De acordo com a análise do trabalhos citados, portanto, parece ser necessário a realização de mais estudos que demonstrem interações entre variáveis que controlam o comportamento não-verbal e variáveis que controlam o comportamento verbal. Esse parece ser um passo necessário para o aprimoramento do trabalho clínico analítico-comportamental.


Referências Bibliográficas

Skinner, B. F. (1957/1992). Verbal Behavior. Acton, Massachusetts: Copley.
Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição (4. ed.). Porto Alegre, RS: Artmed. (Original publicado em 1998)
Catania, A. C., Matthews, A. & Shimoff, E. (1982). Instructed versus shaped human verbal behavior: Interactions with nonverbal responding. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 38, 233-24
Torgrud, L.J. & Holborn, S.W. (1990). The effects of verbal performance descriptions on nonverbal operant responding. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 54, 273-291.

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Escrito por Elayne Nogueira

Psicóloga clínica e professora de Análise do Comportamento. Ministra as disciplinas da área na FATECI - Faculdade de Tecnologia Intensiva - Fortaleza - CE. Atende aos públicos adulto, infantil e grupo, atuando também com Orientação de Pais. Mestre em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília - UnB - e graduada em psicologia pela Universidade Federal do Ceará. Foi fundadora da Liga do Comportamento - UFC. Escreve e pesquisa na área de práticas culturais, metacontingências, relações sociais e análise do comportamento, política e análise do comportamento e condução da clínica infantil.

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