Entrevista exclusiva com o psicólogo Júnio Rezende (XII JMCC)

Dando continuidade às matérias referentes à XII JMCC, segue abaixo uma instigante entrevista acerca da relação Psicologia-Neurociência. Júnio Rezende, psicoterapeuta e pós-graduando em Análise do Comportamento Aplicada, tratou do tema com propriedade, entusiasmo e otimismo.

1) Inicialmente, Júnio, conte-nos um pouco sobre suas trajetórias acadêmica e profissional.
Me formei em Psicologia no final de 2009, no Centro Universitário Newton Paiva, em Belo Horizonte. Atualmente sou psicólogo clínico e venho prestando serviços na área de avaliação educacional desde a graduação. Estou cursando a especialização em Análise do Comportamento Aplicada, também na Newton Paiva. Sou bolsista de Apoio Técnico pelo CNPq junto ao grupo de pesquisas da UFMG dedicado à aprendizagem relacional e aquisição de função simbólica, vinculado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino (INCT-ECCE). Além disso, venho estudando, sob o enfoque da Análise do Comportamento (AC), temas de meu interesse como Educação, questões sociais e a relação entre a Psicologia e a Neurociência, muito disso com um precioso grupo de amigos de BH, apelidado carinhosamente de Círculo da Savassi. (A título de esclarecimento, nenhuma das instituições a que estou vinculado têm qualquer responsabilidade — para além da influência intelectual, claro — sobre as opiniões expressas aqui.)
2) Charles Darwin balançou o mundo quando propôs o selecionismo como modelo de explicação para a origem das espécies. B. F. Skinner, no século passado, trouxe essa forma de pensar para a Psicologia. Em que o selecionismo consiste e de que forma podemos aplicá-lo ao estudo do comportamento humano?
Basicamente, o selecionismo consiste no processo que faz com que um traço qualquer, biológico ou comportamental, persista em detrimento de outros. No estudo do comportamento humano, ele significa inverter a ordem de causalidade geralmente difundida pelas teorias psicológicas (acadêmicas ou a popular). A partir do selecionismo, compreende-se que eventos que se seguem ao comportamento, e não apenas um evento que o precede, são os responsáveis por determinar sua forma futura. Em outras palavras, uma forma linear e mecanicista de explicar o comportamento é questionada para dar lugar a uma forma historicista.

Por exemplo, alguém poderia dizer que eu lhe respondo essa pergunta porque tenho vontade de fazê-lo. Assim, algo imediatamente anterior (a minha “vontade”) determina o comportamento que se segue (responder à pergunta), em cadeia, de forma linear. A Análise do Comportamento, em um viés selecionista, explicará de forma diferente. A partir dela, um comportamento (como “responder a uma pergunta”) é visto como uma possibilidade entre muitas outras. Eu poderia recusar-me a responder, poderia criticar a pergunta e pedir que fosse reformulada, poderia elogiá-la antes de responder, poderia ignorá-la e fazer a você eu mesmo uma pergunta… Enfim, para cada comportamento humano que ocorre, uma série de outros deixa de ocorrer.

O selecionismo explica isso analisando não unicamente as condições precedentes, as quais justificariam o próximo elo da cadeia, mas analisando o valor adaptativo do comportamento. Assim, responder à sua pergunta foi o comportamento selecionado, nesta ocasião, por ser, necessariamente, o mais adaptativo. É melhor para mim que eu me comporte respondendo-a da forma como o faço e não me comportando de qualquer outra forma. Esse valor adaptativo, que a torna a melhor opção, foi, por sua vez, determinado como tal a partir de uma série de experiências pessoais passadas. Minha história tornou este comportamento melhor para este momento. É o valor futuro do comportamento, e não alguma tendência anterior (como a “vontade”), que explica o comportamento observado.

É importante frisar que o valor adaptativo de diferentes possibilidades de nos comportarmos no presente foi determinado no passado, à medida que nos comportamos e fomos expostos às consequências de nossas ações. Daí o selecionismo ser denominado uma explicação “historicista” para o comportamento, diferente de explicações mecanicistas, que são imediatistas.

3) Você, juntamente com Ramon Cardinali, trouxeram para a XII JMCC a proposta de que o selecionismo pode também ser aplicado à Neurociência. Como seria isso?

O que nós fizemos foi levar ao público da XII JMCC, de forma resumida, uma ideia que vem sendo trabalhada pela pequenina parcela de analistas do comportamento que estão em contato direto com a Neurociência. Contrariamente a muito do que se diz sobre a AC, o próprio B. F. Skinner, proponente do Behaviorismo Radical, deixou claro, num artigo de 1966, que o comportamento das pessoas “é simplesmente a fisiologia de uma anatomia”. Com isso ele não quer retratar-se sobre tudo o que disse — e viria a dizer — acerca do papel do ambiente na determinação do comportamento, mas apenas frisar que, sem o substrato biológico pertinente, não existe comportamento. Esse é um fato muito bem estabelecido pela Neurociência, mas que a Psicologia pode ignorar caso se interesse apenas por lidar com a pessoa tal como ela chega quando busca os serviços do psicólogo e não se interesse por compreender de forma mais completa o que permite a tal pessoa se comportar como o faz.

Guiado pelo interesse em conhecer como a seleção do comportamento atua sobre o substrato biológico, Larry Stein investigou a atividade de células nervosas de forma análoga àquela pela qual os analistas do comportamento têm investigado, com sucesso, o comportamento de humanos e outros animais. O procedimento — nomeado pelo autor como um análogo do condicionamento operante — foi muito bem controlado, pois as células foram isoladas do organismo e colocadas em solução aquosa, tendo sua atividade (o potencial de ação), e não um comportamento qualquer do organismo que poderia se valer delas, como alvo da experimentação.

O resultado foi empolgante: utilizando-se um neurotransmissor estimulante como consequência reforçadora — a dopamina –, foi possível controlar a frequência da atividade celular sob estudo. Testes foram realizados para aumentar e para diminuir a frequência da atividade (reforçamento e extinção, respectivamente), a consequência reforçadora foi empregada de forma contingente e não-contingente aos potenciais de ação, e outras substâncias, inócuas e depressoras, foram também empregadas. Tudo isso para controlar as variáveis importantes e estabelecer, enfim, que a atividade dos neurônios estudados é determinada — selecionada pelas consequências — tal qual o comportamento dos organismos intactos.

O que Ramon e eu tentamos fazer na Jornada foi aprensetar passo-a-passo os princípios comportamentais e epistemológicos necessários para se compreender a importância e alcance desses achados, e propor que isso nos ajuda a pensar sobre o futuro — sabe-se lá o quão distante de nós — das ciências do comportamento.

4) Há uma questão que vive a colocar meus melhores neurônios para trabalhar. Afinal, Júnio, Neurociência e Psicologia abordam problemas semelhantes de formas distintas ou, alternativamente, abordam problemas também distintos?
Os meus também têm trabalhado um bocado nisso! Boa pergunta. Acho que nem um, nem outro, exatamente. Tanto a Neurociência quanto a Psicologia estão interessadas em explicar aquilo que vemos as pessoas fazendo todos os dias, desde um simples choro de bebê até uma decisão moral complexa. No entanto, os melhores psicólogos e neurocientistas desenvolveram seus campos de atuação dando origem a ferramentas poderosas para a análise de fenômenos muito diferentes.

Por um lado, somos hoje capazes, entre uma série de outras coisas, de observar a atividade do nosso cérebro em tempo real no desempenho de atividades cognitivas sofisticadas, tecer correlações e descobrir se algo vai mal em termos biológicos. Por outro, fomos capazes de descrever leis do comportamento que nos permitem, em um bom grau, prever como alguém se comportará quando exposto a determinadas condições ambientais. Ambas são tecnologias poderosas, imprescindíveis, orientadas para um mesmo fim (em suma, o bem-estar das pessoas), mas ainda assim diferentes. Em termos metodológicos, as variáveis independentes são, em geral, distintas: os psicólogos manipulam o que está fora do organismo enquanto os neurocientistas manipulam o que está dentro, ambos esperando influenciar a atividade do organismo em si.

Portanto, acho que as duas ciências estudariam o mesmo problema, diferentes subproblemas, de formas distintas mas — como acreditamos — sob alguns princípios básicos comuns. Um pouco mais complicado do que a sua pergunta aponta, parece, a partir do que nós aprendemos até agora.

5) Na sua opinião, e para finalizar, qual seria a importância de entendermos, enquanto psicólogos, ao menos um pouco de Neurociência? Acredita que psicólogos e neurocientistas podem se beneficiar caso trabalhem em equipe?
Mesmo que a tecnologia do psicólogo não seja voltada para alterar diretamente o substrato biológico, não me parece a postura mais interessante ignorar toda uma área do conhecimento que está preocupada, no fim das contas, com o mesmo que o psicólogo está. Alheio às contribuições da Neurociência (e de outras ciências, também, como a Antropologia ou a Economia), o psicólogo se priva de tirar proveito das ideias de pessoas com interesses comuns, cujas investigações poderiam lançar luz sobre problemas comuns, principalmente naqueles pontos onde duas áreas distintas podem se tocar e as fronteiras se esvanecer — e eles existem! Por outro lado, ao não levar — de forma inteligível — para outras áreas o que conhece, o psicólogo perde a oportunidade de contribuir com aquele quadro maior do conhecimento que pretende abarcar o entendimento do ser humano. Isso vale para os neurocientistas, também, ou seus representados lá na ponta, na aplicação, como os médicos, fisioterapeutas, entre outros. Na minha opinião, adotar ou não essas posturas determina se seremos cientistas sensíveis ou meros técnicos.

Quanto ao trabalho em equipe, hoje temos a Neuropsicologia, que deixa claro como a parceria é possível e necessária no âmbito prático. Tecnologias novas vêm surgindo e evidenciando cada vez mais o sucesso da parceria. As técnicas de neurofeedback são um exemplo interessante. Outro, que enche os meus olhos e me emociona de verdade, são os trabalhos do mundialmente aclamado neurocientista brasiliero Miguel Nicolelis, cujos projetos de interface homem-máquina seriam impossíveis sem uma tecnologia de controle operante do comportamento.

Creio que, no futuro, mais e mais interdisciplinaridade será necessária e que até mesmo as duas ciências, com o avanço das tecnologias necessárias, venham a se confundir — no bom sentido — num caminho sem volta. Mas antes — e isso é muito importante — entendo que seja preciso delimitar muito bem as fronteiras entre Psicologia e Neurociência para que se determine com clareza o papel que cabe a cada ator, de forma que a parceria ganhe em eficiência e efetividade.

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Classificação do artigo

Escrito por Daniel Gontijo

Padrão Comportamental Behaviorista!

III Jornada de Análise do Comportamento UNESP-Bauru