Por exemplo, alguém poderia dizer que eu lhe respondo essa pergunta porque tenho vontade de fazê-lo. Assim, algo imediatamente anterior (a minha “vontade”) determina o comportamento que se segue (responder à pergunta), em cadeia, de forma linear. A Análise do Comportamento, em um viés selecionista, explicará de forma diferente. A partir dela, um comportamento (como “responder a uma pergunta”) é visto como uma possibilidade entre muitas outras. Eu poderia recusar-me a responder, poderia criticar a pergunta e pedir que fosse reformulada, poderia elogiá-la antes de responder, poderia ignorá-la e fazer a você eu mesmo uma pergunta… Enfim, para cada comportamento humano que ocorre, uma série de outros deixa de ocorrer.
O selecionismo explica isso analisando não unicamente as condições precedentes, as quais justificariam o próximo elo da cadeia, mas analisando o valor adaptativo do comportamento. Assim, responder à sua pergunta foi o comportamento selecionado, nesta ocasião, por ser, necessariamente, o mais adaptativo. É melhor para mim que eu me comporte respondendo-a da forma como o faço e não me comportando de qualquer outra forma. Esse valor adaptativo, que a torna a melhor opção, foi, por sua vez, determinado como tal a partir de uma série de experiências pessoais passadas. Minha história tornou este comportamento melhor para este momento. É o valor futuro do comportamento, e não alguma tendência anterior (como a “vontade”), que explica o comportamento observado.
É importante frisar que o valor adaptativo de diferentes possibilidades de nos comportarmos no presente foi determinado no passado, à medida que nos comportamos e fomos expostos às consequências de nossas ações. Daí o selecionismo ser denominado uma explicação “historicista” para o comportamento, diferente de explicações mecanicistas, que são imediatistas.
3) Você, juntamente com Ramon Cardinali, trouxeram para a XII JMCC a proposta de que o selecionismo pode também ser aplicado à Neurociência. Como seria isso?
Guiado pelo interesse em conhecer como a seleção do comportamento atua sobre o substrato biológico, Larry Stein investigou a atividade de células nervosas de forma análoga àquela pela qual os analistas do comportamento têm investigado, com sucesso, o comportamento de humanos e outros animais. O procedimento — nomeado pelo autor como um análogo do condicionamento operante — foi muito bem controlado, pois as células foram isoladas do organismo e colocadas em solução aquosa, tendo sua atividade (o potencial de ação), e não um comportamento qualquer do organismo que poderia se valer delas, como alvo da experimentação.
O resultado foi empolgante: utilizando-se um neurotransmissor estimulante como consequência reforçadora — a dopamina –, foi possível controlar a frequência da atividade celular sob estudo. Testes foram realizados para aumentar e para diminuir a frequência da atividade (reforçamento e extinção, respectivamente), a consequência reforçadora foi empregada de forma contingente e não-contingente aos potenciais de ação, e outras substâncias, inócuas e depressoras, foram também empregadas. Tudo isso para controlar as variáveis importantes e estabelecer, enfim, que a atividade dos neurônios estudados é determinada — selecionada pelas consequências — tal qual o comportamento dos organismos intactos.
O que Ramon e eu tentamos fazer na Jornada foi aprensetar passo-a-passo os princípios comportamentais e epistemológicos necessários para se compreender a importância e alcance desses achados, e propor que isso nos ajuda a pensar sobre o futuro — sabe-se lá o quão distante de nós — das ciências do comportamento.
Por um lado, somos hoje capazes, entre uma série de outras coisas, de observar a atividade do nosso cérebro em tempo real no desempenho de atividades cognitivas sofisticadas, tecer correlações e descobrir se algo vai mal em termos biológicos. Por outro, fomos capazes de descrever leis do comportamento que nos permitem, em um bom grau, prever como alguém se comportará quando exposto a determinadas condições ambientais. Ambas são tecnologias poderosas, imprescindíveis, orientadas para um mesmo fim (em suma, o bem-estar das pessoas), mas ainda assim diferentes. Em termos metodológicos, as variáveis independentes são, em geral, distintas: os psicólogos manipulam o que está fora do organismo enquanto os neurocientistas manipulam o que está dentro, ambos esperando influenciar a atividade do organismo em si.
Portanto, acho que as duas ciências estudariam o mesmo problema, diferentes subproblemas, de formas distintas mas — como acreditamos — sob alguns princípios básicos comuns. Um pouco mais complicado do que a sua pergunta aponta, parece, a partir do que nós aprendemos até agora.
Quanto ao trabalho em equipe, hoje temos a Neuropsicologia, que deixa claro como a parceria é possível e necessária no âmbito prático. Tecnologias novas vêm surgindo e evidenciando cada vez mais o sucesso da parceria. As técnicas de neurofeedback são um exemplo interessante. Outro, que enche os meus olhos e me emociona de verdade, são os trabalhos do mundialmente aclamado neurocientista brasiliero Miguel Nicolelis, cujos projetos de interface homem-máquina seriam impossíveis sem uma tecnologia de controle operante do comportamento.
Creio que, no futuro, mais e mais interdisciplinaridade será necessária e que até mesmo as duas ciências, com o avanço das tecnologias necessárias, venham a se confundir — no bom sentido — num caminho sem volta. Mas antes — e isso é muito importante — entendo que seja preciso delimitar muito bem as fronteiras entre Psicologia e Neurociência para que se determine com clareza o papel que cabe a cada ator, de forma que a parceria ganhe em eficiência e efetividade.