Entrevista Exclusiva com Hélio Guilhardi [10ª JAC UFSCar]

Este ano o Comporte-se realizou, junto ao RedePsi, a cobertura completa da 10 ª Jornada de Análise do Comportamento da UFSCar. Além das fotos que tiramos [aqui], realizamos também entrevistas com alguns dos conferencistas do evento. Entre eles, Hélio Guilhardi, que brilhantemente ministrou um curso sobre Terapia Comportamental.
 
 
 
Na foto: Eloisa Piazon, Noreen de Aguirre, Esequias Neto e Hélio Guilhardi
na 10ª JAC UFSCar.
 
Diante do convite para a entrevista, ele prontamente nos atendeu e nos deu esta oportunidade de conhecermos um pouco melhor seu ponto de vista a respeito de alguns temas de interesse na Análise do Comportamento. 
 
 
NetoBoa noite, Hélio. Primeiro eu gostaria de agradecer a oportunidade de conhecer um pouco mais o seu trabalho e dizer que é uma honra, para mim, te entrevistar. 
 
 
Hélio Guilhardi – É um prazer ter essa oportunidade de trocar algumas idéias e algumas experiências com pessoas interessadas na Terapia Comportamental. 
 
 
NPra começar, eu gostaria que você falasse um pouquinho de como surgiu a idéia de criar o Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento. 
 
 
HG – Olha, na verdade, desde que me formei – em 1969 –, eu tive interesse em associar o trabalho clínico ao ensino. Tive atuação dupla praticamente a vida toda – na clínica e na universidade. Aos poucos fui descobrindo que a Universidade não facilitava um enfoque específico na formação do Terapeuta Comportamental; isto porque, você dá aula para um grupo muito amplo de alunos – uma parte está interessada, outra parte faz por obrigação e ainda tem aqueles que se opõe à abordagem. 
 
 
No início da década de 70, ainda na primeira clinica em que atuei, já fazíamos cursos voltados para alunos interessados na Terapia Comportamental. Na década de 70 nem a chamávamos de Terapia Comportamental, mas de Modificação do Comportamento. 
 
 
Em 1979 montei outra clínica, o Instituto de Análise do Comportamento, no qual a gente ampliou este trabalho com os alunos. 
 
 
Passados alguns anos, resolvi formar uma clínica; mas agora, com um peso maior, com uma ênfase maior no ensino. Foi aí que diminuí as atividades de ensino no Instituto de Análise do Comportamento, e com algumas colegas, basicamente a Noreen [de Aguirre] e a Elô [Maria Eloísa Piazzon], montei o Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento. Por quê? Porque nesse período eu fui formulando e decantando algumas idéias e tive mais clareza para propor um modelo de Terapia Comportamental, que acabei denominando Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR). 
 
 
Quando isto já estava mais amadurecido, nós resolvemos montar um instituto específico para atendimento e ensino desse modelo de Terapia Comportamental. 
 
 
NMuito bom, Hélio. Poderia falar um pouquinho sobre as diferenças entre o modelo da TCR e os outros modelos de Terapia Comportamental? O que ele trouxe de novo? 
 
 
H.G. – Bom! Em primeiro lugar, eu diria que a TCR não faz concessão a modelos dualistas, modelos cognitivos, porque se mantém fiel à Análise Experimental do Comportamento e ao Behaviorismo Radical. Então, todos os nossos trabalhos, todas as nossas intervenções, buscam analisar o fenômeno comportamental à luz da Análise do Comportamento e Behaviorismo Radical. 
 
 
Outras propostas, dentro de algo mais amplo, chamado de Terapia Comportamental, não têm este rigor conceitual, nem esse compromisso com a concepção da natureza humana como nós. Isso não é nenhuma criação nossa, é simplesmente um respeito ao trabalho do Analista do Comportamento e às contribuições de Skinner. 
 
 
O que nós fazemos é, na verdade, uma sistematização, uma defesa, vamos chamar assim, radical, no sentido de “às últimas consequências” do modelo. Por exemplo, para nós, cognitivo comportamental é um modelo dualista, ele não é um modelo monista. Mais aí você abandona o aspecto cognitivo? Não. A gente trabalha com cognição como comportamento. Se a cognição é um comportamento, ela não pode ser considerada causa do comportamento, mas ela faz parte das contingências. 
 
 
Pois bem, este é um primeiro aspecto. Esse compromisso, vamos chamar assim, inegociável com a AC e o BR. 
 
 
A segunda coisa é: tudo que é feito sob o nome de Terapia Comportamental, as diferentes propostas, elas negligenciam e deixam pouco explícito o manejo das contingências. Então, não estamos falando de uma coisa completamente inovadora, não estamos criando nada novo, mas acho que falta consciência aos profissionais de outras variantes da abordagem que, de fato, quando estão fazendo um trabalho produtivo – funcionalmente relevante –, estão, em última análise, trabalhando com contingências de reforçamento. Dão outros nomes, falam de outras coisas, procuram até sugerir processos comportamentais, mas, na essência, todos podem ser explicados e só podem ser explicados à luz das contingências de reforçamento. 
 
 
NVocê mencionou outras abordagens. O que você acha de uma prática relativamente comum em terapeutas novatos de adaptarem técnicas de outras abordagens e usarem estas fundamentadas no Behaviorismo Radical? 
 
 
HG – Esse ecletismo, eu acho perigoso. Eu acho que quando se fala de uma técnica de outra abordagem, ela tem uma razão de ser e é coerente com conceitos dentro daquela abordagem que a criou. Como tal, trazer uma proposta de outra abordagem, acho que é um ecletismo perigoso que não defendo. Acho que um bom Psicanalista é um bom Psicanalista se ele trabalha dentro dos conceitos, dentro das técnicas e procedimentos da Psicanálise. Um bom comportamentalista é bom se trabalhar dentro dos conceitos, procedimentos e técnicas desenvolvidas à luz do Comportamentalismo. 
 
 
Então, eu não sou favorável a nenhuma forma de ecletismo. Estou plenamente tranqüilo com esta posição, porque acho que o comportamentalismo dá conta de qualquer fenômeno humano, e como tal, não há necessidade de recorrer a outras abordagens. 
 
 
Mas então, porque existem outras abordagens? Porque elas também funcionam! Porque elas também tem méritos. O que nós temos que fazer, é: 
 
 
Primeiro: não criticar outras abordagens; 
 
 
Segundo: não imitar outras abordagens. 
 
 
Fazer o que, então? Desenvolver profundamente a nossa. Eu acho que a abordagem comportamental cresce a partir da crítica (a crítica construtiva, a crítica séria) e de contribuição de outros terapeutas comportamentais. Nós temos que fazer uma crítica interna, ter uma motivação interna para o nosso desenvolvimento; o seja, não temos que criticar ninguém e não temos que ficar fazendo o que os outros fazem. “Ah, então você está jogando fora coisas que as outras desenvolveram?” – Não, eu estou enfatizando um aprofundamento no nosso desenvolvimento. 
 
 
N Hélio, você hoje é um dos principais formadores de Analistas do Comportamento do Brasil, e, quem sabe, do mundo. Gostaria de saber quais dificuldades você tem observado em quem está aprendendo a abordagem. Quais as principais dificuldades que eles enfrentam quando vão fazer clínica? 
 
 
HG – Primeiro quero falar de algo positivo. Tenho visto um número crescente de alunos e profissionais genuinamente interessados na Abordagem Comportamental. Então, o material humano para o crescimento e desenvolvimento da abordagem é riquíssimo e isto é muito animador. Eu vejo alunos com os olhos brilhando quando têm acesso à informação e ao conhecimento. São pessoas extremamente motivadas e criativas. Na minha equipe, tenho hoje pessoas que ampliam e apresentam variabilidade, trazem contribuições extremamente inovadoras. Então, isto é muito animador. 
 
 
O que eu acho que é um problema? São basicamente dois problemas. O primeiro é que se está ensinando mal e pouco a Análise do Comportamento. Então os alunos chegam muito motivados, porém com repertório muito fraco e empobrecido de conhecimento da abordagem. 
 
 
Lê-se muito pouco Skinner. Lê-se muito pouco os estudos da Análise Experimental do Comportamento, e como tal, estes alunos tem um repertório muito empobrecido de conhecimento da área. Eu acho que isso decorre da falta de especialistas dentro dos cursos de Psicologia – tem professores, até de outras abordagens, dando cursos introdutórios de Análise do Comportamento. Eu acho que estas disciplinas deveriam ser dadas por especialistas, pessoas que a conhecem. 
 
 
O segundo ponto, ainda é quanto à formação. Muitos cursos que são dados por especialistas, também são dados por pessoas que tem pouco comprometimento com a aplicação. Eles não conseguem fazer, de uma maneira harmônica e agradável, a transposição dos conhecimentos básicos para a aplicação. Às vezes bons professores não motivam os bons alunos a aderirem à abordagem porque eles não enxergam o potencial dela [da abordagem]. Eu acho que as pessoas que fazem a AC, que fazem a aplicação, deveriam se envolver mais com o ensino. Isso facilitaria. 
 
 
Então, o primeiro problema é o déficit do conhecimento dos conceitos básicos. Isto é uma coisa lamentável, mas ela é superável. Nos cursos de formação de terapeutas,, as pessoas podem e devem fazer isso: dar esse embasamento. O nosso curso, por exemplo, tem essa preocupação. 
 
 
O segundo problema, eu acho que Analistas Aplicados do Comportamento se omitem de ensinar o que fazem. Eles continuam tendo o velho e lamentável hábito de falar genericamente. O aluno recebe informações muito genéricas e não aprende o “como fazer”. Acho que aqueles que fazem, que atuam nas áreas aplicadas, seja na educação, seja na clínica – posso falar melhor da clínica, que é minha área –, se omitem de ensinar o “como fazer”. Ficar insistindo muito em conceitos e princípios sem fazer a transposição para a aplicação deixa o aluno sem referencial efetivo, realmente capacitador. Não se criam habilidades. 
 
 
NPensando no desenvolvimento e disseminação do conhecimento produzido pela Análise do Comportamento, como você avalia a importância de eventos regionais como este: Jornadas de Análise do Comportamento? 
 
 
HG – Fantástico! Fantástico. Eu acho que todo encontro tem um fator motivacional até mais significativo do que instrucional. 
 
 
Como é um encontro curto, um dia ou dois dias, e há muito conteúdo a ser apresentado, esse conteúdo passa de uma maneira relativamente superficial e truncada. Não é uma crítica, é uma constatação. Tem que ser assim, mas os alunos ficam muito motivados. E isso se cria uma condição – que é uma operação estabelecedora –, para que voltem às suas origens, aos seus pontos de estudos, às suas faculdades, seus cursos, e se interessem em aprender mais, pesquisar mais, voltar aos livros e questionar os professores. 
 
 
Acho que é uma coisa de inestimável valor. Trazer pessoas – no meu caso, me coloco nessa posição – que fazem, pra contar o que fazem, acho também uma oportunidade impar. Extremamente gratificante vir para um ambiente destes e ensinar. Eu gosto de fazer, mas gosto que as pessoas também aprendam a fazer. Acho que meu compromisso não é só em fazer, mas em ensinar e formar. Nesse sentido, acho que é uma missão importante e uma oportunidade rara que não pode ser desperdiçada. 

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Escrito por Portal Comporte-se

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