Terra fértil para o cultivo de novos neurônios

Disseram-me, ainda no início do curso de Psicologia, que nascíamos com o número total de neurônios com que contaríamos por toda a vida (cerca de 100 bilhões) e que, para espanto de alguns, perderíamos algo em torno de 10 a 100 mil células desse tipo diariamente. Desde então, nunca li nada que refutasse esta última afirmação, embora — felizmente — eu não possa dizer o mesmo a respeito da primeira. Pois é isto: a neurogênese pós-natal é uma realidade e pode revolucionar a medicina vindoura. A formação hipocampal e a zona subventricular são exemplos de sítios nos quais podem proliferar novas células neuronais. Apesar da popularidade da primeira região — sobretudo em função de seu envolvimento com a efetivação da aprendizagem –, tratarei das características da zona subventricular.

Geografia, fertilidade e rotas subventriculares(1)

A zona subventricular é uma camada de células localizada na parede lateral de cada ventrículo lateral. Em se tratando de roedores, estima-se que entre 10 e 30 mil neurônios são gerados nessa região diariamente.

(C) Corte coronal do cérebro de um ser humano adulto. (D) Ampliação da parede lateral de um dos ventrículos laterais (LV).

Lá, a geração de novos neurônios deve-se ao trabalho de células astrocíticas (do inglês astrocyte-like cells), algumas das quais são capazes de se regenerar, se proliferar e se diferenciar (se especializar) em novas células. Em razão disso, as células astrocíticas podem ser também chamadas de células progenitoras ou, ainda, células-tronco neurais. As novas células neurais, contudo, não desempenham suas funções na zona subventricular. Antes de se tornarem “células maduras”, derivações das células astrocíticas, os neuroblastos, migram rostralmente a uma outra região: o bulbo olfatório (porção responsável pelo processamento de sinais olfativos).


A figura (a) mostra, da direita para a esquerda, a zona subventricular (SVZ), a rota de migração rostral (RMS) e o bulbo olfatório (OB). A figura (b) representa três neuroblastos sendo envolvidos pelos “braços” de um astrócito. A rota migratória rostral (RMS), caminho através do qual os neuroblastos viajam até seu destino final, o bulbo olfatório, é composto por tubos arquitetados por células astrocíticas. Ao chegarem no bulbo olfatório, os neuroblastos se especializam em neurônios de associação (ou interneurônios), variando entre os tipos glomerulares e periglomerulares. Eis abaixo um exemplo real de migração neuronal.(2)

Apesar de a migração celular ser programada geneticamente, tem-se observado a atuação decisiva de neurotransmissores na proliferação, diferenciação e maturação dessas células. GABA, glutamato, serotonina e dopamina têm sido apontados como os mais importantes. Com efeito, compreender esse intricado padrão de sinalização poderá contribuir para a formulação de intervenções reparadoras do encéfalo (p. ex., retardando ou impedindo a progressão de quadros como o Alzheimer) e até mesmo melhorar a eficiência de transplantes.

Adubando o encéfalo

Meu amigo e psicólogo Thiago Santos emprestou-me recentemente uma edição da revista Psique (2010) que traz uma reportagem sobre neurogênese e memória. Conforme declara essa reportagem, alguns medicamentos, a alimentação, a prática de esportes, a gravidez e a exploração de novos ambientes podem facilitar o surgimento de novos neurônios. No caso da alimentação, chocolate e frutas vermelhas seriam boas indicações. Em se tratando dos medicamentos, os antidepressivos, os estabilizadores de humor e até mesmo o Viagra. Já a prática de esportes e o espírito explorador não foram tratados detalhadamente. Mas deixo duas ressalvas: 1) Deve-se atentar para os efeitos colaterais da aderência de algumas dessas estratégias (como comer muito chocolate e decidir ter um bebê) e, talvez mais importante; 2) A maior parte desses achados não foi ainda replicada em sujeitos humanos.

Notas e referências bibliográficas:

(1) Seção baseada em Platel et al. (2010). Referência detalhada mais abaixo.

(2) Vídeo sugerido pelo meu colega Cláudio Drews, graduando de Psicologia pela UCPEL.

Medeiros, R. (2010). Memória Apagada. Psique Ciência & Vida, ano V, número 54, junho de 2010.

Platel, J., Stamboulian, S., Nguyen, I., & Bordey, A. (2010). Neurotransmitter signaling in postnatal neurogenesis: The first leg Brain Research Reviews, 63 (1-2), 60-71 DOI: 10.1016/j.brainresrev.2010.02.004

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Escrito por Daniel Gontijo

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