Psicologia – Repetindo a História da Humanidade

“…a biologia ainda não pode ser apropriadamente ensinada nos EUA, porque aqueles que se denominam criacionistas ou cientistas da criação ainda se opõem a ela, como um tipo de ameaça. Se digo que os psicólogos, ao buscar esse self ou mente internos estão perdendo seu tempo, vocês podem achar que sou arrogante. Se digo isso dos filósofos que, através dos séculos, têm tentado descobrir a si próprios nesse sentido, então estou sendo arrogante. Gostaria de chamar atenção para o fato de que homens e mulheres tão ou até mais brilhantes têm tentado, por um período de tempo muito mais longo, estabelecer a existência e a natureza de um outro Criador (…) Esse é um grande problema e vocês sabem como tem sido difícil para que a seleção natural seja aceita. Imaginem quão difícil será para a seleção individual por conseqüências do comportamento operante ou para outras culturas evolucionárias e os outros tipos de seleção que assumem um papel de um self ou mente criativos. No que me diz respeito, a ciência cognitiva é o criacionismo da psicologia.(grifo meu) É um esforço para retomar o self ou mente internos, iniciadores, criativos, que numa análise científica simplesmente não existem.” (Skinner, 1989).
Assim como hoje muitos veem o comportamento como algo inacessível à ciência, atrasando assim a evolução dos estudos a respeito, há alguns séculos o que hoje se chama de física, química e biologia também eram barradas pelos mesmos problemas. O físico Galileu Galilei, por exemplo, foi fortemente criticado e punido ao defender o Heliocentrismo [link], idéia esta que ameaçava o dogma de que a terra era o centro do Universo. 
Galileu Galilei foi punido por dizer que a Terra
não era o centro do Universo
Na química atribuíam a natureza (quente, frio, sólido, líquido, etc.) dos objetos a substâncias metafísicas existentes dentro deles; substâncias estas, que jamais foram estudadas por ninguém, nem ao menos vistas, mas diziam existir com base na suposta complexidade dos processos (citado em Beyond Freedom and Dinity, Skinner, 1971). Se houvesse então alguma modificação na natureza ou composição dos objetos, ela era atribuída a uma mudança na quantidade ou qualidade da tal substância escondida e inobservável. Toda e qualquer conclusão a respeito desta substância e dos motivos das mudanças ocorridas no objeto observável não passava de opinião pessoal, impossível de ser verificada. A química nasceu, de fato, apenas a partir do momento em que deixaram de falar sobre a existência do que ninguém nunca viu, mas todo mundo dava detalhes, e adotou para si um método de estudo calcado na observação e descrição de relações entre eventos. O pioneiro da nova metodologia de estudo que deu origem à ciência química foi Lavoisier, ao formular a lei de conservação da massa, rompendo com a teoria flogística [link]. 
Lavoisier foi quem rompeu com a teoria flogística
A teoria flogística dizia que quando os objetos eram queimados eles perdiam flogisto, substância a que atribuíam o fato das coisas se queimarem. Lavoisier descobriu que, ao invés de perder flogisto, substância imaginária que diziam existir dentro dos objetos que se queimavam, os objetos absorviam oxigênio, substância contida no ar e responsável pelo fato do fogo manter-se aceso. Lavoisier descobriu também o gás carbônico e, posteriormente, ainda atribuiu ao oxigênio a cor vermelha do sangue arterial e ao gás carbônico a cor escura do sangue venoso. 
Na biologia, os estudiosos tiveram de romper com a idéia de que o corpo humano era intocável e movido por uma entidade mágica, chamada vis viva ou alma (Skinner, 1971). Isso começou a acontecer após o século XVI, quando os fisiólogos começaram a dissecar animais e estudar o seu funcionamento. Inclusive, foi neste século que a Medicina também evoluiu, já que, durante a idade média, sofria forte resistência por parte da igreja católica que condenava qualquer tipo de pesquisa científica que precisasse investigar o corpo. 
Harvey foi quem estudou pela primeira vez o
corpo humano
Foi apenas no século XVII que, contrariando toda a tradição filosófico-teológica a respeito do funcionamento do corpo, Willian Harvey [link] aventurou-se a abrir o corpo humano e pôde descobrir e estudar o sistema circulatório. Ele observou que os componentes de nosso organismo mais pareciam com uma máquina, cujas partes se correlacionam trabalhando em conjunto, do que com algo sagrado movido por uma força mágica. 
As mesmas críticas sofreu – e ainda sofre – Darwin por propor a teoria da evolução das espécies. Ela contradiz a idéia de que o ser humano é o supra-sumo da criação e demonstra que somos apenas mais uma espécie animal como qualquer outra, cujas características particulares são fruto da evolução e não de uma força suprema criadora. 
Sua descoberta gerou muito incômodo e lhe rendeu muitas críticas, ao ponto de levá-lo a hesitar por muitos anos em publicar o resultado de seus estudos. Darwin só divulgou suas conclusões no momento em que outros já estavam concluindo o mesmo e se não o fizesse, perderia o crédito por isto. 
Os estudos de Darwin também contribuíram muito para os estudos com humanos. A partir deles, chegou-se à conclusão de que é possível, por exemplo, fazer testagens de remédios (ou estudar o comportamento) em animais não humanos antes de estudar nos humanos, bem como utilizar material animal em alguns procedimentos médicos. Isto só é possível porque partilhamos diversas características com outros animais. 
Até hoje a Teoria da Evolução enfrenta
resistências por parte dos religiosos
Todas as ciências anteriormente citadas só puderam evoluir no momento em que adotaram um método de estudo calcado na objetividade, abandonando inferências arbitrárias e desenvolvendo métodos de testagem e descrição das relações entre eventos físicos. Só a partir do momento em que se exigiu certo rigor em seus métodos, envolvendo adoção de passos claros, bem descritos, estruturados e sistematizados, estas ciências foram capazes de contribuir significativamente com a humanidade. 
Infelizmente a Psicologia ainda passa pela mesma dificuldade que estas ciências passaram no início. Para muitos, chega a ser ofensa falar sobre a adoção de um método de estudo controlado e sistematizado. Isto é preocupante, porque impede o desenvolvimento de estratégias de trabalho efetivas, testáveis, e que permitam um certo controle de modo que se saiba exatamente o que está sendo feito, porque está sendo feito e como se chega a um determinado resultado. O que conforta é saber que toda esta resistência por parte dos profissionais da área é parte do mesmo processo histórico pelo qual as demais ciências passaram. 
Quando inferimos a existência de estruturas ou processos metafísicos dentro de nós, os quais estariam controlando nosso comportamento, caímos no mesmo erro que os filósofos antigos caíam ao atribuir à vis viva, ou os religiosos à alma, a explicação para a vida. Caímos também no mesmo erro que caíam os filósofos e religiosos ao dizerem que a terra é o centro do Universo, simplesmente porque tudo o que observavam de importante acontecia nela. Caímos ainda mesmo erro que estes filósofos cometiam ao dizer que a natureza (sólido, líquido, quente, frio) dos objetos era determinada por uma substância que existia dentro deles. 
Estas e outras conclusões – dentre as quais se destaca aquela que diz ser o comportamento controlado por uma estrutura ou processo metafísico dentro de nós –  são fruto de um método chamado Inferência: processo pelo qual se chega a uma conclusão à partir de uma outra afirmação [link]. No caso dos Psicólogos, concluem a existência de uma entidade complexa a partir da observação de um processo complexo: o comportamento. Essa entidade deveria explicar o processo pelo qual inferimos sua existência. O conceito de tautologia se aplica com clareza à problemática. 
Skinner pretende romper com as barreiras
do mentalismo.
Quando se infere uma estrutura ou processo como explicação de um fenômeno, chegamos a outro problema: além de ter que explicar o fenômeno, teremos também que explicar esta estrutura ou processo que inferimos. Mas como explicá-los se eles são inferidos à partir de algo que elas mesmas visam explicar – o comportamento? Além disso, precisamos também explicar como é que esta estrutura ou processo afetam o organismo; ou seja, como suas alterações geram alterações no organismo. Mas como fazê-lo, se o único meio de acesso a ela é a inferência? 
Como a existência da mente – enquanto uma entidade metafísica – é apenas inferida a partir da observação do comportamento, podemos entender o motivo de existirem tantas explicações tão diversas sobre ela. Cada um pode falar o que bem entender a respeito do fenômeno, sem se preocupar em momento algum em apresentar evidências concretas de sua existência. É algo como uma opinião [link] pessoal a respeito do comportamento humano: cada um o explica a existência e funcionamento desta mente do modo como achar melhor, sem a necessidade de apresentar qualquer evidência a respeito do que está dizendo; afinal, a única maneira de se chegar a novas explicações é através de novas inferências. É impossível demonstrar que uma ou outra está errada já que tanto a estrutura ou processo quanto sua relação com o comportamento não podem ser descritas. 
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¹ – Sobre este assunto, é interessante ler a resposta de Roosevelt Starling à questão número 2 da entrevista que concedeu ao Comporte-se. Para acessar, clique aqui.
² – Conforme comentado pelo Daniel Gontijo ao revisar o texto, um critério de escolha para a melhor teoria seria sua aplicabilidade prática (critério pragmatista). Outro critério de escolha poderia a simplicidade da teoria, o que estaria de acordo com a lei da parcimônia proposta por William de Ockham (a chamada Navalha de Occam ou Ockham)
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Escrito por Esequias Caetano de Almeida Neto

Terapeuta Comportamental, com especialização em Clínica Comportamental pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (Campinas, SP), com Treinamento Intensivo em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech | A Linehan Institute Training Company (Seattle, Washington/ EUA) e Formação em Terapia de Aceitação E Compromisso e Terapia Analítica Funcional pelo Instituto Continuum (Londrina, PR). É sócio da Ello: Núcleo de Psicologia e Ciências do Comportamento, onde atende a adultos individualmente, em terapia de casais e terapia de família, além de prover Supervisão Clínica e Treinamento para Terapeutas Comportamentais. É fundador e diretor geral do Portal Comporte-se: Psicologia e Análise do Comportamento (www.comportese.com), onde também coordena a equipe de colunistas de Terapia Comportamental Dialética. Coorganizou os livros Terapia Analítico Comportamental: dos pressupostos teóricos às possibilidades de aplicação (Ed. Esetec, 2012) e Depressão: Psicopatologia e Terapia Analítico Comportamental (Ed. Juruá, 2015). Atua como consultor de Comportamento e Cultura para a Rádio Clube (AM 770) de Patos de Minas e escreve sobre Psicologia e Saúde Mental para o jornal Clube Notícia (https://www.clubenoticia.com.br). É sócio afiliado da Associação Brasileira de Análise do Comportamento (ACBr) e, entre os anos de 2015 e 2017, foi membro da Comissão de Comunicação da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC).

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