Ainda a pandemia… O que aprendemos sobre a violência entre parceiros íntimos durante esse ano?

            A pandemia da COVID-19 ultrapassa um ano e os aprendizados da Psicologia sobre o comportamento humano durante a pandemia consegue avanços e discute potenciais barreiras para compreensão dos fenômenos. Questões sobre a violência, bem-estar psicológico e suicídio são discutidas constantemente, em especial, sobre como esses fenômenos têm ocorrido. Temos um aumento do número de suicídios? O que tem acontecido com a violência entre parceiros íntimos (VPI)?

            As pesquisas sobre VPI pré-pandemia apresentavam alguns aspectos importantes sobre esse fenômeno. Um dos aspectos mais abordados na literatura é sua subnotificação, com dados oficiais em quase todos os países, tendo menores índices que pesquisas epidemiológicas. Essa caracterização privada do fenômeno, faz com que lockdowns, quarentenas e outras estratégias de isolamento social possam tornar a VPI ainda mais subnotificada ou não detectada pelos serviços e equipamentos da rede. Adicionalmente, a pandemia trouxe uma série de estressores nos ambientes familiares, aspectos esses que são indicados no mundo pré-pandemia como fatores de risco para a ocorrência de VPI.

            Para responder essas questões vamos recorrer aos dados e a ciência. Quando pensamos nas trajetórias do suicídio durante a pandemia, por exemplo, temos quadros distintos e dinâmicos. Enquanto alguns países tiveram quedas e aumentos de suicídios dentro da pandemia, como é o caso do Japão que apresentou uma queda acentuada no início da pandemia, com um aumento em setembro, outros apresentam dados de contínua subida durante períodos específicos de lockdown ou de restrição de  movimentação (como ocorreu no Reino Unido).

Adicionalmente, aparentemente o início da pandemia aparenta ter tido um efeito de diminuição ou manutenção dos índices de suicídio em países desenvolvidos. Contudo, dados nacionais ainda são escassos e não é possível apontar para um padrão no Brasil. John et al. (2020) fazem uma abordagem do problema que a ciência enfrenta ao relacionar dados distintos sobre o suicídio durante a pandemia, bem como evitar estimativas (que chegaram a variar entre 1% até 145%) que não trazem evidências ou confirmações desses modelos de previsão.

             As questões sobre a violência entre parceiros íntimos aparentam ainda maior complexidade para interpretação. Seja pelas diferenças prévias entre os países ainda carecerem de explicações mais precisas do que apontar para diferenças culturais de maneira generalista. Dados de denúncias de VPI tem mostrado aumento em vários países, bem como das chamadas realizadas para a polícia relatando episódios de violência (Agüero, 2021; Lyons, & Brewer, 2021). Apesar dessas descrições, devemos ter cautela na interpretação dos dados, em especial, quando não há dados anteriores dos mesmos grupos para comparação.

Há número elevado de discussões teóricas sobre como as trajetórias da VPI e do suicídio iriam ocorrer durante a pandemia. Contudo, suposições e hipóteses não podem substituir dados e evidências científicas. Estratégias de organização de frameworks e protocolos podem auxiliar a uniformidade das respostas ao redor do mundo (John et al., 2020; Katz et al., 2020) E esse é o aspecto mais relevante que temos a enfrentar neste momento de corte de verbas de pesquisa, reações negativas frente a ciência e campanhas abertas de órgãos governamentais contra evidências empíricas básicas sobre a pandemia. Em momentos graves de emergência sanitária e social, como o que estamos vivenciando no último ano, se torna ainda mais evidente a necessidade da construção de uma ciência nacional e que seja capaz de responder as necessidades e problemas enfrentados em nosso país.

Para saber mais:

Agüero, J. M. (2021). COVID-19 and the rise of intimate partner violence. World development, 137, 105217.

John, A., Pirkis, J., Gunnell, D., Appleby, L., & Morrissey, J. (2020). Trends in suicide during the covid-19 pandemic. BMJ, 371, m4352.

Katz, C., Priolo Filho, S. R., Korbin, J., Bérubé, A., Fouche, A., Haffejee, S., … & Varela, N. (2020). Child maltreatment in the time of the COVID-19 pandemic: a proposed global framework on research, policy and practice. Child Abuse & Neglect, 104824.

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Escrito por Sidnei R. Priolo Filho

Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos. Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Forense da Universidade Tuiuti do Paraná em Curitiba.

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