Mindfulness: quando o território é da Psicologia, não da meditação!

Ainda é comum as pessoas associarem mindfulness (atenção plena) – DE IMEDIATO – com meditação. Isto significa que quando alguém fala em mindfulness o mais comum é pensarmos em alguém sentado, com os olhos fechados, e as pernas cruzadas em posição de índio. Falamos em mindfulness, as pessoas pensam em meditação. Ok, mas vamos lá.

Já falei sobre isto em textos anteriores que escrevi aqui no COMPORTE-SE. Dá uma conferida depois.

Ocorre que a popularidade do mindfulness tem feito com que o tema se prolifere de modo desorganizado e – quase sempre – equivocado e perigoso. Existem vídeos e mais vídeos no youtube ensinando toda a sorte de confusões – relaxamento como mindfulness,  “esvaziar a mente”, “ficar no aqui-e-agora” e gente ensinando coisas como mindfulness para a “aumentar a performance”. É triste (para não dizer, bisonho). Todo mundo quer aproveitar essa onda para surfar em $$$$$ e as pessoas que almejam – realmente – trabalhar com ética (o que não exclui ganhar dinheiro) acabam sendo prejudicadas. Os budistas têm visto essa confusão e – aqui e acolá – apontam (quase sempre com razão ) o problema deste mindfulness “meditação sem religião”. Um intelectual budista brasileiro deu o nome desta meditação para-todos como “Mindfulness bastardo”. Mas existem até mesmo budistas que estão oferecendo “grupos de mindfulness”. Lamas (professores de budismo tibetano) dando formações de mindfulness. O negócio vale para todos – budistas e não-budistas, éticos e antiéticos. As cartas estão na mesa. O Mindfulness é de todos na realidade: budistas e não-budistas. Sim, não-budistas também têm o “seu” Mindfulness, sabia? Falaremos sobre isso logo mais.

É claro que existe – de fato – a tal “meditação mindfulness”. Ela sempre esteve presente no Budismo e, desde o findar dos anos 70, foi adaptada de modo “secular” (sem religião) no ocidente. No caso do mindfulness meditativo, o principal nome é Jon Kabat-Zinn, criador do Mindfulness Based Stress Reduction (MBSR). O MBSR realmente é uma adaptação de práticas budistas e da yoga para o ambiente médico. Todos os protocolos de mindfulness (esses que se faz normalmente em 8 semanas) são adaptações futuras do MBSR, com maior ou menor associação à meditação. O Mindfulness Based Cognitive Therapy (MBCT), por exemplo, é uma adaptação do MBSR com menos elementos “meditativos” e maior aporte da ciência psicológica. Mesmo assim, o “clima” meditativo impera nas práticas e postura do grupo. Nenhum problema. Apenas uma constatação. Quem participa destes grupos percebe o clima “meditativo”. Novamente, nada contra, já que eu mesmo trabalho assim (em parte).

No caso do MBSR, MBCT e todas as MBI´s (Intervenções Baseadas em Mindfulness) temos a “meditação mindfulness” como fio condutor das intervenções. Nestes, o contato com o Budismo é quase sempre nebuloso, havendo uma constante tensão entre SER e NÃO-SER religioso e espiritual. Há vasto debate na literatura acadêmica sobre isso, e a série de implicações éticas. Estariam esses professores de MBSR e afins aptos a ensinar “meditação”? Como ficam os valores transmitidos sem a ligação ética com os ensinamentos budistas? Etc etc etc.

No entanto, como estas intervenções ficaram muito populares, a impressão que fica é que mindfulness se resume a estes protocolos “meditativos”. Mesmo profissionais da Psicologia e da Psiquiatria, que deveriam ter maior esclarecimento sobre isso, parecem não saber que o mindfulness existe na história da Psicologia TOTALMENTE INDEPENDENTE do Budismo e das “meditações”. Sim. Juro.

Vou apenas colocar aqui o NOME a ser pesquisado: Ellen Langer. A Dra. Langer é psicóloga social e a primeira professora (mulher) de Psicologia da Universidade de Harvard. Por mais de 35 anos ela tem escrito livros e artigos sobre mindfulness. Ela é contemporânea de Jon Kabat-Zinn, mas não ficou com os louros.

Por que ninguém conhece a perspectiva de mindfulness associada ao seu trabalho? Nem mesmo profissionais da Psicologia? Não sei. Acho que porque ela nunca desenvolveu um protocolo do tipo MBSR. Isso não popularizou o seu trabalho e – claro – não a levou até a Oprah Winfrey.

Mas, vejam bem, Langer demonstrou que mindfulness, antes mesmo de ser uma “meditação”, é simplesmente uma perspectiva que envolve processos psicológicos específicos. Sim. Meditação pode ser uma forma de aproximar e explorar esta perspectiva, mas longe de ser a única ou a “ideal”.

Deixarei aqui o link (*leia depois) para um paper do professor Luc Vandenbergh que destrincha as posições de Langer e Kabat-Zinn sobre mindfulness. Ambos falam sobre mindfulness, sendo que Langer fala de dentro da expertise da Psicologia e Kabat-Zinn da quase sempre nebulosa relação entre budismo, yoga, e medicina comportamental. PORTANTO, “pelamordedeos”, parem de afirmar mindfulness como sinônimo exclusivo de “meditação” ou “budismo sem religião”. Isso pode ser o caso do MBSR, MBCT e similares, mas não do trabalho de Langer (e incluiria aqui o trabalho de Steven Hayes, da ACT). O mindfulness na DBT, da Linehan, apesar de circunscrito na tradição psicológica, é um caso a parte (confuso), e um dia ainda vou escrever sobre isso.

Mas antes, quero dar um exemplo de mindfulness enquanto perspectiva psicológica. Aconteceu ontem, comigo, em um shopping aqui de Porto Alegre.

Ontem fui ao cinema assistir ao remake do clássico do Stephen King, “IT- a coisa”. Excelente, aliás. Quando o filme terminou voltei para o estacionamento. Mas, você sabe, ao sairmos do Shopping temos que pagar o famigerado estacionamento. Antigamente, tinham apenas os guichês de pagamento, mas agora tem estas máquinas que você mesmo paga com o cartão do banco.

Estava eu descendo a escada rolante e vendo essas maquinas, uma em cada canto da parede e, ao centro, a porta de saída para o estacionamento. Logo a minha frente estavam duas senhoras com uma criança. Elas se dirigiram para uma das máquinas, logo eu mirei a outra. Olhei. Olhei de novo. Olhei bem. Não é que tinha um recado na tela escrito: “FORA DE FUNCIONAMENTO. SAÍDAS LIBERADAS”. Nisso, olhei para trás e vi que a máquina em que as senhoras estavam também apresentava o recado na tela. No entanto, lá estavam elas, paradas, esperando algo acontecer. Uma das senhores havia colocado o cartão do estacionamento na máquina que, estando desligada, engoliu o cartão sem nada fazer. Mesmo assim, lá estavam elas conversando (e esperando, sei lá o quê).

Cheguei até uma delas e falei: “Senhoras, olhem a tela. A máquina está desligada”. Elas sorriram um pouco assustadas e  tanto sem-graça. Eu disse: “acontece. Isso chama mindlesness. Sim, essa palavra estranha, mindlesness, e foi estudado profundamente pela Ellen Langer. A solução é mindfulness. Boa tarde para vocês”. Elas – obviamente – me acharam louco e olharam uma para a outra. A criança, sem nada entender, sorriu.

Mindfulness é meditação? Como diria o Rodrigo Amarante: “nem sempre”. Aprende com ele aqui que “nem sempre” as coisas são como os outros dizem…

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Escrito por Tiago Tatton

piadista inveterado, torcedor do Flamengo e pai da Clara Luz. Nas horas vagas é psicólogo, especialista e mestre em Ciência da Religião (UFJF/MG), doutor em Psicologia (UFRGS/RS e King´s College Londres), pós-doutor em Psiquiatria e Ciências do Comportamento (UFRGS/RS). Diretor Geral da Iniciativa Mindfulness. Em 2016 completou o Mindfulness Advanced Teacher Intensive pela Universidade da California em San Diego (USA).

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