Livro – Suicídio: já parou para pensar?
Capítulo – Comportamentos Suicidas
Paula Cordeiro
Giovana Pagliari
A morte, na atual cultura, é apresentada de forma contraditória: evitada a qualquer custo por alguns, e procurada cada vez mais por outros.
Órgãos como a Organização Mundial da Saúde, Ministério da Saúde e mesmo a Organização das Nações Unidas, vem alertando sobre o aumento no número de suicídios nos últimos tempos. No Brasil, o suicídio é a segunda maior causa de morte de jovens (entre 15 e 29 anos), perdendo apenas para acidentes de trânsito.
Mitos em torno do assunto dificultam o acesso a informações e mesmo a prevenção de casos de suicídio. Para que isso cesse, se faz necessário a compreensão da mudança cultural possivelmente responsável por esse aumento. Para isso, o presente capítulo propõe essas discussões, para que seja possível entender que o suicídio propriamente dito, é um conjunto de comportamentos suicidas, e que como outros comportamentos devem ter suas funções analisadas, para que possam ser modificados.
O sistema capitalista, vigente a partir do século XIX, provocou mudanças estruturais. A doença e a improdutividade começaram a ser empecilhos para o desenvolvimento, e então abominados de forma radical. A medicina com sua revolução higienista impôs um distanciamento entre a vida e a morte, onde o morto passa a ser visto como um perigo, uma fonte de contaminação e doenças.
A diversificação dada a eventos como este pode ser notada da seguinte maneira: para a cultura ocidental, a morte é encarada como um evento triste, pois retira a possibilidade de qualquer contato com aquele que morreu. Assim, o suicídio é a ação voluntária que impossibilita a convivência, o contato com o outro. Para a pessoa que tem o comportamento suicida, muitas vezes, esse é o objetivo: encerrar uma dor, fugir de qualquer possibilidade de contato. Para aqueles que ficam, o ato é considerado egoísta e muitas vezes covarde.
Os sentimentos que temos em decorrência de eventos da nossa vida não são inatos. Nos contextos familiares e culturais é estabelecido o histórico de aprendizagem individual, desde o nascimento. Guilhardi (2002) afirma que, a aprendizagem se dá por meio da comunidade verbal e social em que se está inserido, os pais, avós, professores, etc., ensinam membros (filhos, netos, alunos, etc.) a nomear manifestações corporais de acordo com sentimentos – alegria, tristeza, raiva, etc.
Com estas condições compreendidas conclui-se que contingências gratificantes produzirão sentimentos correspondentes (alegria, felicidade, realização, etc.), e contingências aversivas produzirão sentimentos desagradáveis (raiva, ansiedade, tristeza, culpa, etc.) (GUILHARDI, 2002)
Então, não há sentimento que possa ser classificado com bom ou ruim. Vendo-o como produto colateral das contingências de reforçamento, pode-se considerar que sentir é inevitável.
Há maneiras de facilitar a experiência de sensações desagradáveis relatadas pelo outro, uma delas é o desenvolvimento/emissão de comportamentos empáticos. A empatia é considerada uma habilidade de comunicação que ocorre em duas etapas de interação sendo: compreender e comunicar entendimento. (FALCONE, 1999)
Compreender consiste experienciar o que o outro está vivendo da seguinte forma: prestar atenção (com postura atenta a seus relatos, mostrar-se envolvido); ouvir de maneira sensível (dar ao outro a oportunidade de ser ouvido sem julgamentos). (FALCONE, 1999)
Em situações aversivas, como a de sofrimento, comportamentos de esquiva podem surgir como uma alternativa para “não viver” o sofrimento.
A ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso) chama este evitar sensações, sentimentos e pensamentos de esquiva experiencial, e esta é a causa de problemas psicológicos. (SABAN, 2015)
A alternativa que se propõe é justamente viver a situação aversiva, de forma a não lutar contra ela, deixando que as sensações surjam e possam desaparecer naturalmente.
É importante que se sinta triste, bravo e ansioso em determinados momentos. Sentir, como já esclarecido anteriormente, é natural de acordo com as contingências apresentadas. Contudo, é apenas um sentimento, que como tantos outros produz sensações finitas, que não precisam ser fontes de eterno sofrimento ou de eterna fuga.
A esquiva aparece também em escritos como de Caruso (1984, apud Custodio, 2013) o homem tem procurado evitar a morte,“…para não ter que viver com a morte, preferimos reprimir a vida, limitá-la e restringi-la de múltiplas maneiras, dentro de nós e ao nosso redor” (p.283). Situações como esta também ficam evidentes na atualidade quando observamos o culto a juventude, a preservação do belo, com isso é natural que não se sinta a vontade diante da real finitude (CUSTODIO, 2013). A autora ainda propõe, assim como já exposto em Combinato e Queiroz (2006), que uma maneira de evitar o desconforto da decomposição, seria a cremação do cadáver.
A esquiva quando excessiva pode culminar no suicídio, caracterizando-o como o último nível de esquiva a ser concretizado.
Skinner, em 1953/2003 diz que um comportamento é a interação entre organismo e seu ambiente e que ele é selecionado (passa a fazer parte do repertório do indivíduo) quando tem uma função na vida daquele que se comporta.
A partir dessa visão o suicídio (a morte, quando alcançada) passa a ser na verdade a consequência de um comportamento. Por isso, todos os comportamentos que tem como possível consequência a morte, podem ser chamados de comportamentos suicidas. Dirigir alcoolizado ou sobre efeito de outras drogas; abandonar o tratamento de uma doença crônica (como diabetes, por exemplo), até mesmo atravessar uma rua fora da faixa de pedestres pode então ser chamado de comportamento suicida: comportamentos que aumentam a probabilidade de morte.
Tal ideia, causa estranhamento, pois, tais comportamentos estão presentes na sociedade e quase nunca são ligados a uma ideação suicida (consciência sobre a possibilidade da morte). Quando se diz suicídio, pensa-se em: cortar os pulsos, pular de um prédio, enforcamento, tiro na cabeça, entre outros.
Quando entende-se o comportamento suicida, como um comportamento que tem como função (entre outras) o aumento da probabilidade da morte, torna-se possível não apenas a análise, como alteração de variáveis para modificação desse padrão de comportamentos.
REFERÊNCIAS
COMBINATO, D. S.; QUEIROZ, M. S. Morte: uma visão psicossocial. Estudos de psicologia. (Natal), Natal , v. 11, n. 2, p. 209-216, Aug. 2006 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2006000200010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 07 out. 2016.
CUSTODIO, E. M. Maria Julia Kovács: uma pesquisadora refletindo sobre a morte. Boletim da Academia Paulista de Psicologia, São Paulo , v. 33, n. 85, p. 243-253, dez. 2013 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-711X2013000200003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 12 nov. 2016.
FALCONE, E. A avaliação de um programa de treinamento da empatia com universitários. Revista brasileira de terapia comportamental e cognitiva, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 23-32, jun. 1999. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-55451999000100003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 12 nov. 2016.
GUILHARDI, H. J. Autoestima, autoconfiança e responsabilidade. Comportamento Humano –Tudo (ou quase tudo) que você precisa saber para viver. Santo André (SP): ESETec Editores Associados, 2002. Disponível em <https://tommyreforcopositivo.files.wordpress.com/2015/08/brandc3a3o-m-z-s-conte-f-c-s-mezzaroba-s-m-b-2002-comportamento-humano-tudo-ou-quase-tudo-o-que-vocc3aa-precisa-saber-para-viver-melhor.pdf>Acesso em: 07 out. 2016.
SABAN, M. T. Introdução à terapia de aceitação e compromisso. Belo Horizonte: Ed. Artesã, 2015.
SABAN, M. T. O que é terapia de aceitação e compromisso?. In: LUCENA-SANTOS, P.; PINTO-GOUVIA, J. & OLIVEIRA, S. M. Terapias Comportamentais de terceira geração: guia para profissionais. Novo Hamburgo: Sinopsys, 2015. p. 179-216
SKINNER, B. F. Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes, 2003.