O comportamento do indivíduo no grupo religioso: analisando uma Agência Controladora.

“… Se eu quiser falar com Deus.
Tenho que ficar a sós. Tenho que apagar a luz.
Tenho que calar a voz. Tenho que encontrar a paz.
Tenho que folgar os nós. Dos sapatos, da gravata.
Dos desejos, dos receios. Tenho que esquecer a data.
Tenho que perder a conta. Tenho que ter mãos vazias.
Ter a alma e o corpo nus.

Se eu quiser falar com Deus.
Tenho que aceitar a dor. Tenho que comer o pão que o diabo amassou.
Tenho que virar um cão. Tenho que lamber o chão.
Dos palácios, dos castelos. Suntuosos do meu sonho. Tenho que me ver tristonho.
Tenho que me achar medonho. E apesar de um mal tamanho.
Alegrar meu coração…

“Se eu quiser falar com Deus”

Gilberto Gil

Você já parou para pensar o quanto sua crença religiosa influencia seus comportamentos? Você já deixou de fazer algo que não é aceito por sua religião? As regras religiosas podem mesmo controlar o que fazemos?

No Brasil, podemos encontrar uma diversidade de crenças religiosas. Essas crenças podem ter uma influência importante no comportamento do indivíduo. Mas de que forma isso acontece?

A Análise do Comportamento se propõe a estudar o comportamento humano enquanto a interação entre o indivíduo e seu ambiente, físico ou social[1]. Se pararmos para pensar, são poucas as situações em que não dependemos da mediação de outro(s) indivíduo(s) para obter o que queremos (reforçadores), ou mesmo, situações em que a própria ação do outro indivíduo (alguma ação específica) é algo que desejamos obter. Dizemos que esta é uma relação de mediação, na qual as consequências produzidas por uma resposta dependem da presença e da ação de outro indivíduo. Quando esta relação é estabelecida, passamos a chamá-la de episódio social, e o reforçador, ainda que seja de natureza primária (como água, comida, sono, sexo que são essenciais para a sobrevivência e reprodução da nossa espécie) passa a ser acompanhado de reforçadores sociais a ele associados. (Sampaio & Andery, 2010).

Comportamentos sociais aparecem frequentemente em grupos com os quais os indivíduos se relacionam, não necessariamente para obtenção de reforços primários, mas em função de variáveis externas comuns. Identificamos com facilidade esses grupos, que são habitualmente identificados por times, tribos, raça, grupos partidários, interesses religiosos etc.

Em grupos, os indivíduos se comportam por interesses particulares, e têm mais chances de obter reforços; as consequências reforçadoras geradas pelo grupo são mais poderosas do que aquelas geradas por um indivíduo que se comporta sozinho, com o mesmo propósito. Com isso, podemos dizer que o ambiente social é de especial importância para o desenvolvimento humano e que viver em grupo se torna mais vantajoso para o indivíduo, até por questão de sobrevivência (Skinner, 1953/1993).

Grupos de grandes dimensões são identificados como agências organizadas de controle de comportamento. Skinner (1953/1993) considera como agências controladoras a Família, Educação, Política, Religião, Psicoterapia e Mídia, pois estas manipulam e selecionam variáveis que têm um efeito comum sobre o(s) comportamento(s) do indivíduo(s) para obter consequências necessárias para a sobrevivência do grupo. Cabe ressaltar que, mesmo quando se fala em Agência Controladora, está se falando de pessoas que se comportam de maneira especial: a elas o grupo delega o poder sobre um conjunto de reforçadores que pode influenciar o comportamento dos outros membros do grupo.

As práticas realizadas por estas agências controladoras estabelecem e mantém a obediência dos indivíduos, de modo que, mesmo na ausência destes agentes de controle, o indivíduo age “da maneira esperada”. Uma das formas de controle do comportamento humano ocorre através de leis. Nos grupos religiosos, as leis são descritas em livros (Bíblia, Alcorão, Evangelhos etc.), e descrevem regras de conduta social, com objetivos específicos de promover a boa convivência entre os membros. Geralmente, essas leis são “respeitadas” para evitar algum tipo de punição ou autocensura (Skinner, 1980).

Quando perguntado a alguém do porque faz determinada coisa, ou porque faz daquela e não de outra forma, uma boa resposta deveria descrever a contingência, ou seja, deveria identificar corretamente as variáveis que controlam o comportamento da pessoa naquela situação. Ao fazê-lo, o indivíduo caminha em direção a uma regra que governaria um comportamento semelhante, no caso de as contingências originais estarem ausentes ou incompletas, o que poderia ser interpretado como autoconhecimento. Mas, a descrição também pode estar errada; pode conter um conjunto de variáveis acidentais, e neste caso estaria indicando contingências inexistentes (comportamento supersticioso). Quando a descrição for deficiente, sua explicação terá a forma de uma crença, e não conseguirá explicar o seu comportamento supersticioso, que será explicado como afetado por “estranhas” contingências, e mais, dará razões “boas” para justificar o seu comportamento. As superstições que são transmitidas pelas culturas (como as lendas) são consideradas regras sem contingências correspondentes. As regras surgem ao propor ideias aos outros, e o que é aprendido é transmitido culturalmente. (Skinner, 1980)

O controle que define uma agência religiosa está em estabelecer alguma ligação de ordem sobrenatural entre os seus dirigentes e uma divindade, de forma que a agência controladora possa manipular as contingências do indivíduo comum, prometendo boa ou má sorte desse indivíduo em curto prazo. (Skinner, 1993)

A técnica principal empregada pelos membros dirigentes de agências religiosas se resume em classificar, interpretar e julgar os comportamentos dos indivíduos não só como “bom” x “mau”, mas também em “moral” x “imoral”, “virtuoso” x “pecaminoso” e reforça-los ou puni-los respectivamente de acordo com sua interpretação.

Nessa agência, os indivíduos ficam mais sob controle dos reforçadores descritos em imagens como céu e inferno, em que céu seria o ajuntamento de reforçadores positivos, e inferno o ajuntamento de estímulos aversivos. Mas, devemos lembrar que esta agência não influencia o indivíduo por todo o tempo, além de não ser a única a operar sobre o seu comportamento. O poder que a agência religiosa possui depende da eficiência de certos reforçadores verbais associados particularmente a promessas de reforçadores (céu) e as ameaças de punição (inferno). A educação religiosa pode contribuir com este tipo de poder, emparelhando as imagens (céu e inferno) com vários reforçadores incondicionados e condicionados que essencialmente são aqueles à disposição do grupo ético julgados como “bom x mau”.

Na prática, essa agência religiosa controla os comportamentos de seus membros com a explicação de que podem “perder” o céu, ou “ir” para o inferno (quando emitem comportamentos pecaminosos), ou que podem “garantir seu lugar no céu” (quando emitem comportamentos virtuosos). Ao sofrer uma punição por causa de um comportamento pecaminoso, o indivíduo automaticamente tem sua resposta emparelhada a uma condição aversiva, e é levado a descrevê-la como um “sentimento de pecado”. A agência religiosa, diante dessa circunstância, permite o comportamento de fuga dessa condição aversiva através da absolvição, e fornece um poderoso reforço ao comportamento piedoso. Qualquer tipo de estimulação que possa induzir ao comportamento pecaminoso, chamado de “tentação”, muito provavelmente será censurado por essa agência, como por exemplo, consumir bebidas alcoólicas, assistir a filmes com conteúdos considerados impróprios, ler livros científicos, usar determinada vestimenta, etc. (Skinner, 1993).

A saciação e a privação também são variáveis que provavelmente podem ser manipuladas, como por exemplo, jejum, técnicas de rituais que influenciem na fisiologia etc. Algumas agências ainda, apelam ao uso de drogas para induzir condições emocionais apropriadas, ou para produzir efeitos que parecem apoiar a existência de conexões sobrenaturais. (Skinner, 1993).

A emoção é um meio importante de controle religioso, e usualmente é manipulada por essa agência por meio de condicionamento respondente, através de peças religiosas que retratam as histórias bíblicas de sofrimento, as quais são utilizadas mais tarde como estímulos verbais ou escritos para estabelecer controle.

Há limites no alcance da operação de todas as agências. A agência religiosa pode estabelecer diferentes códigos morais e éticos que, por sua vez, ditam diferentes padrões de comportamento. Por exemplo, em relação à crença na continuidade da alma, enquanto a religião católica prega a ressureição depois do juízo final, a religião espírita defende a continuidade por meio da reencarnação e o aperfeiçoamento contínuo da alma. Essas formas de controle são conflituosas entre si, e podem controlar os indivíduos de maneiras diferentes ou, ainda, gerar divergências com agências governamentais (por exemplo, quando um governo adota a pena de morte como forma de punição).

A agência religiosa, tal como outras, se utiliza de poder para obter vantagens pessoais ou institucionais, acumular riquezas, e construir organizações. Para isso, aqueles que não se submetem facilmente ao controle são submetidos a punição. Com isso, a comunidade gera contracontrole, e acaba restringindo a agência. Neste momento, podem surgir questionamentos dos membros desta instituição, de como funciona a realidade das contingências que foram antes estabelecidas.

Ao exercer controle sob o grupo, os agentes religiosos acabam influenciando diretamente no comportamento moral e ético dos indivíduos.

“Valores” seriam as consequências do nosso comportamento; os eventos que chamamos de “bons” ou “ruins”. – e, de acordo com Skinner (1971), “fazer um julgamento de valor chamando algo de bom ou ruim é classificá-lo em termos de seus efeitos reforçadores”

No entanto, nem sempre o que é bom para o grupo é também bom para o indivíduo e duas contingências diferentes passam a determinar um comportamento em conflito. Diante disto, a ética surge como uma forma de controle do grupo sobre o comportamento do indivíduo, exigindo o autocontrole.

Se é necessário que um grupo crie regras éticas que impeçam determinados comportamentos de seus membros, é porque primeiramente essas respostas são de provável emissão e, apesar de serem benéficas a curto prazo para o indivíduo que o emite, pode ser ruim a longo prazo tanto para ele mesmo, quanto para o grupo. Do mesmo jeito, o indivíduo é estimulado pelo grupo a emitir respostas que a curto prazo não são benéficas para ele, mas sim para o grupo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Sampaio, Angelo Augusto Silva; Andery, Maria Amália Pie Abib. Comportamento Social, Produção Agregada e Prática Cultural: Uma Análise Comportamental de Fenômenos Sociais. Psicologia: Teoria e Pesquisa, São Paulo, v. 26, n. 1, p.183-192, mar. 2010. São Paulo. Disponível em: https://revistaptp.unb.br/index.php/ptp/article/view/325/43

Skinner, Burrhus Frederic. Ciência e Martins Fontes, 1993. Ciência e Comportamento. São Paulo: Martins Fontes, (1953/1993).

Skinner, B. F. (1977). O mito da liberdade. Rio de Janeiro: Bloch. 3ª ed.

 

[1] Para Skinner, B. F., ambiente é tudo aquilo que envolve o comportamento, ou ações que são emitidas pelo indivíduo. Desta forma, compreendemos que o próprio indivíduo que se comporta assim como outros indivíduos relacionados com o seu comportamento, se tornam também parte de seu ambiente.

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Escrito por Marina Dantas

Marina Dantas possui graduação em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. Cursou o Aprimoramento em Acompanhamento Terapêutico e Atendimento Extraconsultório, e também o curso de Qualificação Avançada em Clínica Analítico-Comportamental pela Associação Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento. Atualmente, é aluna do Mestrado Profissional em Análise do Comportamento Aplicada, monitora do Curso de Aprimoramento em Acompanhamento Terapêutico e Atendimento Extraconsultório e Pesquisadora colaboradora da Associação Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento. Atua como terapeuta Analítico-Comportamental e Acompanhante Terapêutica.

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