Yo no creo en las mentes, pero…

Esse meme divertido andou circulando pelo Facebook. Talvez alguns leigos não tenham entendido a piada, mas os behavioristas curtiram a cutucada antimentalista. No século passado, o desenvolvimento de novas tecnologias como a neuroimagem criou expectativas de que essa tal de mente seria finalmente encontrada dentro do cérebro. Nosso olhar mecanicista buscava um local cheio de gavetas onde memórias poderiam ser armazenadas, devidamente separadas e organizadas, como um grande arquivo ou almoxarifado. Tudo muito diferente da plasticidade neural que as pesquisas acabaram revelando, reforçando ainda mais a posição de Skinner, que passou a vida tentando extirpar a “mente” da Psicologia. Como suas críticas foram dirigidas a diferentes interlocutores com versões diversas de mentalismo, seus argumentos focam desde a necessidade de se construir uma Psicologia científica até questionamentos pragmáticos sobre a utilidade do mentalismo na solução de problemas humanos. A questão mais constante parece ser sua preocupação com o afastamento das “verdadeiras causas”, ou seja, dos aspectos relacionais que envolvem o comportamento, quando a mente é entendida como um agente causal (Carvalho Neto et al., 2012). Aos poucos, a palavra mente foi se tornando quase proibida dentro do Behaviorismo Radical. Dada a minha formação, quando comecei a me aproximar da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), fiquei chocada com a falta de cerimônia com que esse nome feio era usado. Minhas antenas antimentalismo ficaram em estado de alerta, enquanto eu me aproximava curiosa, com os dois pés atrás e o nariz torcido. Aos poucos, entendendo melhor o modelo, minha resistência foi sendo vencida. Dentro das chamadas Ciências Comportamentais Contextuais (CBS), onde se inserem a ACT e a Teoria das Molduras Relacionais (RFT), a palavra mente não se refere a um armazém de conhecimentos, mas sim a classes de comportamentos. Trata-se, na realidade, de modos de conhecer ou de se relacionar com o mundo. De fato, as CBS dão preferência a verbos, para não deixar dúvidas sobre seu posicionamento: em vez de conhecimento, é melhor falar de conhecer; lembrar, em vez de memória; sentir, em vez de sensações; e assim por diante. De acordo com a RFT, seres humanos criados dentro de comunidades verbais desenvolvem uma maneira bastante peculiar de se relacionar com os estímulos, o responder relacional arbitrariamente aplicável (AARR). A partir do momento em que começamos a ser reforçados por aplicar relações arbitrárias entre eventos, esse passa a ser nosso modo default de funcionamento. Sem nem nos darmos conta, fazemos comparações e estabelecemos relações a cada momento. A tabela abaixo mostra algumas delas: tabela Coordenamos, diferenciamos, opomos, localizamos no tempo e no espaço, hierarquizamos, atribuímos causas e efeitos, estabelecemos perspectivas. Através de treinamentos exemplares múltiplos, aprendemos a compreender o mundo assim. Criamos molduras relacionais, que se tornam operantes generalizados. Esse é o nosso filtro, através do qual olhamos para nossas experiências. Enquanto esse padrão funciona muito bem para solucionar os problemas apresentados no mundo físico, quando aplicado ao mundo sob a pele, pode trazer muito sofrimento. A despeito disso, justamente por funcionar muito bem dentro de diversos contextos, termina sendo o dominante. Um dos principais objetivos da ACT é diminuir a dominância do conteúdo verbal, permitindo um maior contato com as contingências e a ampliação do repertório comportamental. Para que os estímulos verbais tenham menos impacto, é importante que sejam percebidos como simples pensamentos (sejam palavras, imagens, memórias ou qualquer outro conteúdo). Uma maneira de fazer isso é pedindo que o cliente dê um passo atrás e observe o que está surgindo em sua “mente”. É criada, então, uma hierarquia entre os pensamentos e o observador, que não é seus pensamentos, mas sim o contexto em que esses pensamentos ocorrem. Com essa tomada de perspectiva, é possível perceber a geração infinita de enquadramentos relacionais, selecionados em nossa história evolutiva e pessoal, mantidos pelas contingências em operação. Em vez de olhar ATRAVÉS dessas molduras, torna-se possível olhar PARA as molduras. Assim, a escolha pela palavra MENTE é totalmente pragmática. A ACT se situa dentro do chamado contextualismo funcional: no contexto terapêutico, funciona bem usar essa palavra. Imagine o terapeuta convidando seu cliente a observar o responder relacional arbitrariamente aplicável derivado! Nada mais simples que usar uma palavra que faz referência a esses encobertos, que seja compreensível e facilmente identificável pelo cliente. Não há necessidade de mudar o repertório verbal de ninguém. É mais prático fazer uso dele para ajudar o cliente a construir uma vida que está buscando. Da existência dessa mente substantivo, esse armário dentro do ser, eu também duvido. Mas a minha mente responde à pergunta do meme com outra pergunta: a que mente será que a mente do seu criador estava se referindo? Referências: Carvalho Neto, M. B., Tourinho, E. Z. , Zilio, D. & Strapasson, B. A. (2012). B. F. Skinner e o mentalismo: uma análise histórico-conceitual (1931-1959). Memorandum, 22, 13-39. Hayes, S.C.; Brownstein, A.J. (1986) Mentalism, Behavior-Behavior Relations, and a Behavior-Analytic View of the Purposes of Science. The Behavior Analyst, 9 (pp. 175-190).

tem as chaves do inferno

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Escrito por Mônica Valentim

Graduação em Psicologia pela UNESP Bauru (1996), mestrado em Psicologia Experimental - USP (2001) e doutorado pela Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP (2006). Participou de diversos treinamentos em Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), Teoria das Molduras Relacionais (RFT) e Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) no Brasil e no exterior com Steven Hayes, Kirk Strosahl, Kelly Wilson, Benjamin Schoendorff, Matthieu Villatte, Mavis Tsai, Robert Kohlenberg, entre outros.
Foi professora da Universidade do Sagrado Coração e UNESP, em Bauru (SP), e da Laureate/IBMR, no Rio de Janeiro (RJ). É supervisora clínica no Paradigma - São Paulo (SP).

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