A dinâmica de um relacionamento violento

Uma das principais perguntas para um terapeuta que tem pacientes com problemas em relacionamentos amorosos seria “quais características principais de um relacionamento violento?”. Ou ainda, “Quais características de um relacionamento violento são úteis ao terapeuta no ambiente clínico?”. Essas questões não possuem respostas simples, contudo a atenção a alguns aspectos podem auxiliar na prevenção, identificação e intervenção em situações clínicas.

            Uma das grandes contribuições da Psicologia para o estudo e intervenção em situações de violência foi identificada pela professora norte-americana Lenore Walker em 1979 em seu livro The battered woman. Nesse livro a pesquisadora apresenta o conceito de ciclo da violência que é apresentada de maneira esquemática na figura abaixo.




Iremos iniciar a discussão sobre o ciclo da violência a partir da fase de lua-de-mel, que é o início da maioria dos relacionamentos, sejam eles violentos ou não. Estímulos novos e consequências reforçadoras fornecidas por ambos os parceiros mantém uma diversidade de comportamentos através de reforçadores positivos e negativos. Contudo, com o passar do tempo os estímulos e consequências fornecidos pelos parceiros não são mais novos e diminuem seu valor reforçador. Essa nova fase seria a entrada na rotina para o casal, ou seja, eles começam a apresentar um padrão razoavelmente estável de interações, sendo os comportamentos e consequências mais previsíveis para o terapeuta.

            Durante a fase da rotina alguns problemas começam a surgir e ganhar importância frequentemente. E esse é o principal momento de análise para o terapeuta, avaliar como esse casal resolve seus problemas e quais comportamentos eles se engajam para diminuir a tensão desses conflitos. As respostas dessas perguntas acabam por indicar casais com maior probabilidade de escolher comportamentos agressivos e aqueles que adotam uma resolução não violenta. Casais em situação de violência apresentam baixa resolução de problemas e, usualmente, não se engajam em atividades que poderiam diminuir os comportamentos ansiosos relacionados aos conflitos como a prática de esportes, hobbies e outras atividades em lazer. Casais que não utilizam a violência se engajam de maneira mais efetiva em discussões e em comportamentos direcionados a resolução de problemas.

            Após um novo estressor ou o agravamento de conflitos anteriores não solucionados entre o casal pode ocorrer um episódio violento. O episódio violento tem uma série de consequências para a vítima e o agressor[1]. A vítima pode apresentar ferimentos, punições de outros membros de sua rede social, fuga e esquiva de ambientes que possam gerar novos conflitos, e também medo e comportamentos ansiosos e depressivos. Para o agressor a consequência imediata é a retirada de algum estímulo aversivo (seja a discussão sobre o conflito, ou a presença da parceira, por exemplo) ou a disponibilidade de estímulos reforçadores novos (sair com amigos, manter controle sobre o comportamento da esposa, por exemplo), isto é aumentará a chance de novas agressões no futuro por reforçamento positivo ou negativo. Importante destacar que a agressão tem a função de controlar o comportamento do outro não somente durante o conflito atual, mas futuramente. Ou seja, durante os próximos conflitos a história da violência terá um papel importante para o casal.

            A fase seguinte é a reconciliação na qual o agressor busca reatar com a parceira, ao mesmo tempo minimiza e responsabiliza a vítima pelo seu comportamento agressivo. Dessa maneira, o agressor também volta a apresentar estímulos novos ou consequências do início do relacionamento para reatar com a parceira, sendo mais visíveis esses esforços quando são na forma de presentes, elogios e emissão de comportamentos não agressivos. Contudo, com a volta a rotina o casal pode reiniciar o ciclo, permanecendo no mesmo até que algo (uma separação, terapia, controle pelos familiares, entre outros) possa romper com esse padrão de comportamentos.

          Um fato importante a ser destacado nas relações amorosas que são permeadas pela violência é que as agressões aumentam de intensidade com o passar do tempo, isto é, um relacionamento agressivo irá aumentar em gravidade e severidade dos episódios violentos e em muitos casos o casal atravessa a fase da lua-de-mel de maneira breve que é difícil para um terapeuta observá-la ocorrendo. Uma maneira para o terapeuta buscar compreender como o ciclo da violência ocorre com seu paciente é construir a ordem dos fatos
pelo relato dos pacientes e ao final apresentar o ciclo com as próprias afirmações do paciente. O contato com essas contingências é de grande valia para avaliar situações futuras para a ocorrência da violência. Abaixo apresento uma maneira esquemática para demonstração.





Importante destacar que o ciclo da violência ocorre para todas as formas de agressão, não somente a física. A violência psicológica também apresenta a mesma série de eventos, porém as fases podem ter menor duração do que na violência física e, portanto, serem mais difíceis de serem detectadas. Essa esquematização aqui apresentada pode ser desdobrada em maiores detalhes que irei abordar futuramente. Nos próximos textos irei discutir o episódio agressivo e como a atuação do psicólogo pode ser um mecanismo de prevenção da violência.

Para saber mais:

Walker, L. E. (1979). The battered woman. New York: Harper & Row.
  


[1]O termo será utilizado no masculino devido a maior parte dos agressores serem homens, mas importante ressaltar que há mulheres que agridem os parceiros.
3.5 2 votes
Article Rating
Avatar photo

Escrito por Sidnei R. Priolo Filho

Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos. Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Forense da Universidade Tuiuti do Paraná em Curitiba.

II Jornada Valeparaibana de Psicoterapia Comportamental e Cognitiva – São José dos Campos/SP

As explicações internalistas como mantenedoras de problemas sociais