Quem “mantemos” os preconceitos da Análise do Comportamento?

Os que se auto-intitulam Analistas do Comportamento, como bem sabemos, são alvo de inúmeras críticas e preconceitos na comunidade de psicólogos, educadores e outros profissionais


que tiveram pouco contato com o assunto. Refiro-me aqui ao termo “auto-intitular” pois, além da prática, estudo e cursos de formação, não temos nenhum título comprobatório que nos certifique de tal forma. Muito se vem discutindo em relação a isso, visto as discussões calorosas ocorridas recentemente, como a criação da acreditação de Analistas do Comportamento. Neste texto, não tenho a pretensão de posicionar-me sobre o tema, Mas acho válido pensar acerca das críticas e preconceitos dos quais somos alvo. O que os mantêm?

O primeiro ponto que merece ser destacado é a falta de informação sobre o assunto. Temos uma história marcada pela época da modificação do comportamento, como o início do que fazemos hoje. Se pensarmos nas origens do Behaviorismo, temos Ivan Pavlov e a teoria do condicionamento respondente e Watson com o Behaviorismo Metodológico, considerando que todo e qualquer comportamento pode ser explicado por estímulos e reflexos, validando apenas o que é passível de observação. Podemos pensar até mesmo no próprio Skinner, no início de seus trabalhos, com experimentos e estudos de organismos relativamente simples, a exemplo de ratos e pombos. Esta história, apesar de essencial para a prática dos dias atuais, se não contextualizada, inevitavelmente produz críticas sem fundamento que ouvimos por aí.

Outro ponto que merece destaque são os pressupostos que embasam a filosofia Behaviorista Radical. Nascemos em uma comunidade que nos ensina a pensar que as “causas” do comportamento são internas. Na Idade Média, a Igreja explicava a ação do homem de acordo com sua alma. Estas capacidades da alma agiriam como pulsões sobre o homem e explicariam seu comportamento por impulsionarem-no à ação. Desta forma, objetos e eventos criariam ideias em suas mentes, controlando suas ações. Nesta posição, o homem é concebido por ter duas naturezas: divina e material, mental e física (Matos, 1997).

“Choramos porque estamos tristes”. Para aprender a pensar de forma que “choro” (público) e “tristeza” (privado) fossem analisados enquanto parte de uma mesma classe, tivemos que deixar de lado uma vida inteira de aprendizagens segundo as quais respostas emocionais encobertas eram condições antecedentes para comportamentos. O behaviorismo radical parte de um pressuposto monista de homem, no qual todos os fenômenos estão em uma dimensão física e natural, isto desconsidera o dualismo mente x corpo e os conceitos metafísicos (mente, inconsciente, ego etc.). Sendo assim, comportamentos encobertos (privados) não são causa de comportamento, pois tanto os eventos públicos como privados estão em uma mesma dimensão natural (Guimarães, 2003).

A partir disso, ouvimos: “analistas do comportamento trabalham de forma mecanicista, e desconsideram sentimentos e emoções.” Automaticamente, esta frase funciona como condição antecedente para a raiva que sentimos ao ouvi-la. É necessário tornar claro que o behaviorismo radical não nega sentimentos, emoções ou a importância da significação de uma experiência para um indivíduo, simplesmente não toma emoções, sentimentos, nem a significação deles como causa dos comportamentos. A diferença é que apenas tratamos estes fenômenos sem distinção, de forma a observá-los como qualquer outro comportamento. (Guimarães, 2003). Ninguém melhor do que Skinner (1989) para acrescentar que: “Como as pessoas se sentem é, geralmente, tão importante quanto o que elas fazem”.

Até aí tudo bem, apesar do que sentimos ao ouvir as críticas. Se pensarmos que o ensino da Análise do Comportamento nas faculdades, quando precário, dá margem a tudo o que ouvimos, deixamos os comentários de lado e seguimos com o trabalho. Porém, vale a pena dar um passo para trás pensar em outros pontos: nós, enquanto Analistas do Comportamento também temos nosso papel nisso. Nós mesmos acabamos mantendo estas críticas e preconceitos.

Recentemente, em uma conversa, fui questionada: “Participei de um congresso nacional de educação e não vi na programação nenhuma palestra contendo algo sobre Análise do Comportamento. Uma das principais aplicações do Behaviorismo Radical é a educação. Onde estavam?” Esta pergunta me fez parar para pensar em alguns dos motivos pelos quais não havia trabalhos envolvendo a Análise do Comportamento, ou, até mesmo, na ausência dos próprios Analistas do Comportamento como participantes do evento.

A primeira questão que me vem à cabeça é pensar que utilizamos um vocabulário não acessível para pessoas de fora da abordagem. Nossas falas são recheadas de conceitos com termos “técnicos”, ininteligíveis para pessoas que não tiveram acesso à eles. Quando conversamos entre nós, tudo bem. Quando vamos apresentar trabalhos em nossos congressos, tudo bem também. Nesses contextos, nossas respostas de “falar utilizando nosso vocabulário” são mantidas por nossos colegas, que respondem com os mesmos termos e dão sequencia à discussão. Porém, em outras contingências, nossas respostas de “usar o vocabulário behaviorista” sofre o que chamamos de extinção (uma vez que outras pessoas não dão sequencia à nossa fala), ou até mesmo são punidas por meio das críticas já mencionadas no início do texto. Vejo, como consequência disto, uma grande perda. Ao invés de dialogar com nossos colegas psicólogos, ou até mesmo profissionais de outras áreas, contribuindo com nossas ferramentas para mudanças sociais, acabamos nos fechando entre nós e nossos próprios eventos e congressos.

Outra questão que levanto é que temos muita dificuldade de ouvir e dialogar com profissionais de outras abordagens. Temos nossa maneira de ver o mundo, que difere do que aprendemos em nossa sociedade mentalista, mas muitas vezes nos tornamos tão irredutíveis ao ponto de desconsiderar o estudo de outras abordagens da psicologia. Não defendo aqui a ideia de que temos que unir as práticas, pois as abordagens têm embasamento, pressupostos e filosofias diferentes. Mas talvez conseguir saber ouvir o que outras formas de pensar estão produzindo, até mesmo para saber entender e colocar nosso ponto de vista diferente, como uma forma de somar forças e saber dividir uma formação profissional que temos em comum.

Outro aspecto a ser considerado é a distância – não apenas física – entre os próprios pesquisadores, das produções dentro das universidades. A Análise do Comportamento se destaca quando o assunto é pesquisa científica. Skinner (1953/2007) define o objeto de estudo da psicologia como o científico, e a pesquisa é um dos pilares que embasam nossa prática. A abordagem é empiricamente validada em laboratório e em situações aplicadas, como a clínica por exemplo. Na pesquisa básica, o objetivo é descobrir as leis naturais que regem o comportamento. Já a pesquisa aplicada tem como meta descobrir e testar diferentes maneiras pelas quais os resultados encontrados na pesquisa básica podem ser aplicados à intervenção frente a problemas humanos relevantes (Meyer, Del Prette, Zamignani, Banaco, Neno & Tourinho, 2010). Porém, muitas vezes, produções importantes em linhas de pesquisa de diferentes universidades pelo Brasil não são compartilhadas como deveriam, cabendo esperar o próximo congresso ou a próxima edição de revistas importantes para colocarmo-nos a par de tal produção.

Neste mesmo sentido, uma outra questão comum nas cidades do Brasil, principalmente no estado de São Paulo, é encontrarmos diferentes institutos e clínicas de Análise do Comportamento, coordenados por professores/terapeutas, que oferecem cursos teóricos e práticos, palestras, atendimento à população, contribuindo efetivamente para a formação de analistas do comportamento. Porém, um dos efeitos da distribuição destes grupos é que, ao invés de agirem por somar forças dos analistas do comportamento, encontramos muitas vezes, mesmo que não explicitamente, competição e comparação pelo maior número de alunos e/ou clientes atendidos.

Estas questões com as quais me deparo, e que aqui compartilho, não tem o objetivo simplesmente de apontar pontos nos quais nós – pois me incluo também – analistas do comportamento ainda precisamos repensar e/ou melhorar. Compartilho aqui estas questões para fazermos, mesmo que por alguns minutos (apenas o tempo necessário para ler este texto), uma reflexão com o objetivo de pensar em como empregar efetivamente o conhecimento que a abordagem nos proporciona para mudanças significativas nas contingências que vivenciamos. Afinal, “os principais problemas enfrentados hoje pelo mundo só poderão ser resolvidos se melhorarmos nossa compreensão do comportamento humano” (Skinner, 1974).

Referências

GUIMARÃES, R. P. (2003). Deixando o preconceito de lado e entendendo o Behaviorismo Radical. Psicologia Ciência e Profissão 23 (3), 60-67.

MATOS, M. A. (1997). Behaviorismo metodológico e suas relações com o mentalismo e o behaviorismo radical. Em R. A. Banaco (Org.), Sobre Comportamento e Cognição, Vol. 1. (pp. 54-67). Santo André: ESETec.

MEYER, S. B.; DEL PRETTE, G.; ZAMIGNANI, D. R.; BANACO, R. A.; NENO, S. & TOURINHO, E. Z. (2010). Análise do Comportamento e Terapia Analítico-comportamental. Em E. Z. Tourinho & S. V. Luna (Orgs), Análise do Comportamento: Investigações Históricas, Conceituais e Aplicadas. (pp. 175-191). São Paulo: Roca.

SKINNER, B. F. (1974). Sobre o behaviorismo. São Paulo: Ed. Cultrix.

SKINNER, B. F. (2007). Ciência e comportamento humano (R. Azzi & J. C. Todorov, Trads.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953)

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Escrito por Portal Comporte-se

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